terça-feira, julho 29


De férias, com o espírito e o corpo a precisar de descanso, vejo numa tabacaria uma nova revista... Levo-a, à espera de ver a coragem estampada numa publicação nacional que já fazia falta: uma revista Gay!

Chego à praia, espalho as tralhas e dedico-me a desvendar sofregamente todos os recantos da dita, sempre à espera de uma surpresa, sempre à espera de algo novo. Ouvi reclamações jocosas de falta de atenção, mas eu estava determinada. Depois de umas horas a fritar para a análise não ser injusta, desisti. Sempre as mesmas caras, sempre as mesmas histórias, sempre o mesmo recanto lisboeta que se corre numa horita..

Bem sei que é o primeiro número e que a minha opinião corre o risco de ser bombardeada de críticas, porque à falta de tudo não se pode reclamar. Esta minha opinião vai no sentido de dizer que quem tem a coragem, o investimento até monetário de se meter numa destas, que vá em frente a fim de desvendar o que o mundo gay/lésbico português (e não só) tem de novo para mostrar e para dar.

Têm agora a faca e o queijo na mão. Descubram e dêem a conhecer aquilo que não sabemos. Explorem! Estamos tod@s à vossa espera!!!

Antes perneta que maneta!



Esta noite tive um daqueles sonhos bizarros em que passado e futuro se misturam sem nenhuma coerência nem consistência mas que me deixou a cismar com uma história que se passou aqui há uns anos quando eu por incúria ou idiotice me deixei envolver com uma mulher “casada”. Eu sempre disse e continuo a dizer que não é correcto investir nesse tipo de relacionamentos até porque há vários cenários possíveis e nenhum deles interessa a todas as partes envolvidas, pelo menos não na actualidade social deste cantinho soalheiro onde vivemos. Isto trocado por miúdos significa que olhar é normal porque ninguém é cego e o que é belo é para ser apreciado, pois claro! Mas daí a dar o passo e entrar numa intimidade que não é nossa em exclusivo, isso já requer uma mestria emocional que a mim me ultrapassa. Sou da velha escola e acredito na exclusividade das relações até porque não acredito na capacidade dos seres humanos em gerirem uma proliferação de afectos para além desse único e especial que nos liga à pessoa da nossa vida, pelo menos no momento presente.

Bom mas da única vez em que cometi o erro de meter a colher entre mulher e mulher apanhei um susto tão grande que jurei para nunca mais! É certo que a mulher da mulher não era uma mulher qualquer. E é certo que eu trazia uma paixão assolapada por ela já desde os tempos de liceu. E é certo também que eu por vezes achava que a Lucinda me dava troco, fosse por certos olhares mais intensos, fosse por uma mão propositadamente deixada sobre o meu braço queimando-me a pele e deixando-me à beira do desespero. E ela era uma mulher muito bonita, de pele espontânea e clara e de olhos translúcidos e directos, e eu já aqui confessei que não sou insensível à beleza magnética de certas mulheres.

Mas a Lucinda tinha uma prometida, sempre teve desde que nos tornámos gente. A Ana Isabel era uma espécie de sombra, onde estava a Lucinda ela aparecia atrás, sempre vigilante, sempre protegendo a eleita do seu coração. Não era possível dissociar uma da outra, de tal forma se moviam juntas para todo o lado. Já na altura era uma escandaleira lá na terra porque elas sempre se declararam namoradas e não queriam saber das conversas de pais, padres e psicólogos que lhes diziam que não era possível terem tanta certeza da sua sexualidade sendo tão novas. Chegavam a pedir-lhes que experimentassem com fulano e sicrano, garanhões de serviço, antes de se comprometerem dessa forma tão explícita! Como se a experimentação de um prazer não desejado pudesse de alguma forma mudar o que não pode nunca ser mudado! Quanto mais insistiam para que se separassem mais elas insistiam que nunca jamais em tempo algum nenhum ser vivo se intrometeria na sua irmandade de sexo e de sangue.

Então porque foi que um dia a Lucinda apareceu sozinha na oficina da Ana Maria pedindo para falar comigo como se a sua vida dependesse disso? Então porque foi que a Ana Maria achou por bem encontrar um ponto de encontro secreto onde Lucinda e eu pudéssemos aprofundar laços que eu unilateralmente já lhe lançara? Então porque foi que eu sabendo que a Lucinda não me pertencia fui ao seu encontro de braços e coração abertos, querendo saber porque era que ela me queria, como era que ela me queria e porque não antes, antes do “casamento”, antes desse tempo todo em que eu tinha tentado enterrá-la nos baús das memórias do meu passado? Não sei. Apenas sei que fui querendo apertá-la nos meus braços e dizer-lhe que eu sempre a tinha amado e desejado muito, apesar da outra.

Lucinda estava triste, um pouco cabisbaixa e apática, como se tivesse chegado a um beco sem saída. A sua vida não era aquilo que ela queria, disse-me. Algures no tempo tinha deixado de governar as rédeas da sua vontade e tinha cedido o seu lugar a uma outra cavaleira, mais destemida e assertiva do que ela. Durante anos cedeu a tudo, deixou-se levar por uma existência confortável e desafogada. Até ao dia em que se olhou ao espelho e não se reconheceu naquele ser de aparência indiferente e desleixada. A vida deixou de ser vida, passou a ser uma sucessão de dias, minutos, todos iguais uns aos outros, todos cinzentos, indistinguíveis, frustrantes, sufocantes minutos em que nem força sentia para se debater contra algo que se tinha apoderado daquilo que ela era deixando-a feito esqueleto de si própria.

A minha Lucinda que não era minha excepto nesse brevíssimo momento em que se agarrou a mim e me pediu que a salvasse duma vida que não era vida. Vamos, pedia-me, fugimos as duas, passamos a fronteira, vamos viver bem longe desta terra e desta gente, e dela... da outra que a queria sem a querer deixar ser aquilo que ela era. E eu por um momento sensível ao seu desespero dizia-lhe que por mim sim, fugíamos pois, nós sem dinheiro mas qualquer coisa se arranjaria nem que eu tivesse que me ir oferecer à beira da estrada aos indigentes que por ali passavam desejosos duma foda apressada. Ela chorava agarrada a mim e nesse momento os nossos lábios tocaram-se e sofregamente nos beijámos. E eu senti que a amava, intensamente, terrivelmente, desesperadamente iria tentar fazer o impossível para me juntar aquela Lucinda que não era minha.

Combinámos encontrarmo-nos todos os dias dessa semana, e todos os dias fazíamos planos, traçávamos caminhos de fuga para amanhã, ou depois, ou seguramente um dia muito próximo do seguinte. E amávamo-nos loucamente, com uma intensidade que nunca tinha sentido até então no meio de juras desse amor eterno que esperava por nós um dia, bem longe de tudo e de todos. Os dias passaram, a loucura manteve-se durante todo o verão até que um dia... ninguém sabe como, ninguém sabia, ninguém vira, ninguém comentara, mas um dia a Ana Isabel apanhou-nos juntas. Ainda me lembro da sua cara transtornada, das veias do pescoço a pulsarem furiosamente à medida que ela arrancava Lucinda dos meus braços e depois me empurrou num vértice de violência desmesurada, pontapeando-me e esmurrando-me, querendo apagar de mim memórias que eram só suas, da sua intimidade de casal onde eu nunca pertencera e de onde era agora selvaticamente expulsa.

Senti o sangue a jorrar-me nariz e boca adentro, o seu gosto acre a contrastar com o sabor doce dos beijos da Lucinda que nesse dia morreu para o mundo e para mim. Apanhei uma carga de pancada tão grande que julguei que nunca mais me levantava. E nesses momentos em que estive entre a vida e a morte sufocando no meu próprio sangue que me inundava as entranhas, jurei que tinha sido a primeira e última vez. Foi a Ana Maria que me salvou, me encontrou naquele estado e me levou para as urgências para que me cozessem rasgões e concertassem fracturas. A ela devo-lhe a vida e à minha avó a clarividência de espírito com que tentou confortar-me na primeira visita que recebi no hospital. Depois de avaliar os estragos nos meus membros inferiores a minha querida avó virou-se para mim a sorrir e disse-me "na difícil arte de amar mais vale perneta que maneta minha filha, nunca te esqueças disso, mais vale perneta que maneta!"

Arriba el rollo bollo!

terça-feira, julho 8




"Gran participación en los actos del Orgullo LGTB 2008

Cogam, Colectivo de lesbianas, gays, transexuales y bisexuales de Madrid, agradece a los más de dos millones de personas que han participado en los diferentes actos del Orgullo LGTB 2008 en Madrid.

COGAM, considera un éxito la participación ciudadana (estimada en un millón cien mil personas a las 20:00) en la convocatoria estatal de la Manifestación del Orgullo LGTB 2008 con lema "por la visibilidad lésbica". A lo largo de la manifestación se han gritado consignas como "arriba el rollo bollo", "bollo a la vista", "lesbiana se escribe con v de visible", "en las aceras también hay bolleras", …

La manifestación del Orgullo LGTB se ha convertido de facto en el evento más multitudinario que se da cita anualmente en la ciudad de Madrid, siendo la mayor exhibición de diversidad, solidaridad, tolerancia y multiculturalidad.

Como novedad este año se realizó una Caravana del Orgullo, que recorrió los municipios de Getafe, Fuenlabrada y Alcorcón y fue recibida por los diferentes alcaldes de estos municipios. Dado el éxito de esta iniciativa, se repetirá anualmente."


E foi assim que num escaldante final de tarde a multidão se levantou feita touro enraivecido e pateando o solo fez a terra estremecer. E levantando os cornos plenos de orgulho traçou no ar rotas de liberdade que conduzirão os povos à nova democracia!

Pelo menos uma vez na vida toda a gente devia marcar presença no meio desta multidão em festa. Em Espanha já muito se fez mas ainda há muito por fazer. E se os espanhóis lideram esta luta em prol da igualdade de direitos nós por cá esperamos que talvez os ventos desta vez nos tragam bons casamentos.

Foi comovente ver parelhas de novios com os dizeres ‘Recien Casados’, não vi nenhuma parelha de novias mas vi montones de parelhas femininas, parece que elas corresponderam ao apelo uma vez que este ano a marcha era delas e para elas. Foi imperdível! Fiquei fã e seguramente voltarei muitas mais vezes!

Viva la España! Olé!

Memórias coloridas

quinta-feira, julho 3



O Verão tem destas coisas que nos faz soltar o pensamento tanto como a língua que por vezes percorre desenfreada e gulosa por memórias que nos torram e queimam os centros nevrálgicos que sabíamos que tínhamos e mais uns quantos que nunca imaginámos possuir. É verdade que tive uma juventude bem recheada de sensações e emoções, não me queixo de todas as seivas que por mim passaram e em mim escorreram, aliás hoje canto-as para que saibam da importância que tiveram em mim. A minha pueril sede de prazer transformou-se em fonte de letras e palavras que recriam outras vidas e outros tempos, alegres, despreocupados e despudorados também. Precisei de tudo isso para chegar onde estou hoje, à tranquilidade dos “entas” e da vida de casada com a mulher que amo.

Hoje acordei com os acordes daquela velhinha música do Juan Luis Guerra na cabeça, essa mesma de que todas se recordarão tão bem, do peixe que se deixa enfeitiçar pela sereia e se enfia na sua gruta feita aquário de cristal onde por momentos se deixa aprisionar para que ela possa tão somente desfrutar da alegria contagiante das borbulhas de amor que o peixinho tão delicadamente vai soprando na direcção do seu... talvez isso, não sei, mas esta música sempre me evocou imagens poderosas de estrondosos prazeres subaquáticos e para isso muito contribuiu o encontro que me sucedeu faz por esta altura uns dez anos... ou talvez mais que a memória tem destas particularidades ao manter a vivacidade das cores e a intensidade dos momentos independentemente da distância temporal que deles nos separa.

Foi com uma espanhola pois... já aqui confessei que fraquejo perante certas beldades latinas e esta tinha um fogo interior que não passava despercebido a ninguém, homem, mulher, ou até animal! Qué de pasión... ui! Essa noite não foi a primeira que nos vimos, ou por outra, talvez fosse a primeira vez que ela olhava para mim embora eu já seguisse o seu rastro há vários verões. Sabem aquelas mulheres que arrastam toda uma história atrás de si e que nos estonteiam pela intensidade com que num só olhar nos permitem vislumbrar a paixão que trazem dentro delas? Sabem aquelas mulheres que levam muitos à loucura e que conscientemente ainda nos fazem arrependermo-nos de todos os nossos amantes passados e futuros? É dessas que reza a história, dessas helenas de Tróia, que tão subtilmente nos subjugam e arrebatam e nos elevam aos píncaros ainda que apenas por brevíssimos momentos.

Nessa noite estava um calor daqueles espessos e pesados mas mesmo assim isso não me impediu de ir comemorar para o local do costume. Não me lembro ao certo ao que a comemoração se referia, mero pormenor que deixou de ter relevância após tudo o que me aconteceu. Fui com o grupo do costume e ela estava lá, nesse bar sito em terra indefinida onde como sempre deixámos sotaques e costumes amontoados à porta da saída. Assim despojada entrei e senti logo o olhar dela sobre mim, intenso e poderoso como uma mão firme pousada sobre o meu peito marcando um território prestes a ser ocupado. Há dias assim, em que uma invasão unilateral nos cega e nos tolhe a vontade de reacção, deixando-nos à beira do altar prestes a sacrificarmo-nos às deusas do amor e do prazer.

Durante horas bebi e dancei e em todos os momentos nunca deixei de a sentir ali, obsessiva e predadora, observando-me de todos os ângulos, empurrando-me para um canto de onde eu sabia que não iria nem quereria conseguir escapulir-me. Falou-me ao ouvido, segredou-me palavras que me transportaram para outros tempos e eu ali fiquei enfeitiçada pelo fogo latino que cirandava à minha volta.

“Mi casa” fui, foi, algo que nunca tinha feito antes e nunca voltei a fazer depois mas como resistir-lhe se a minha vontade já se tinha colado à dela tanto como a pele dos nossos corpos suados? Foi então que ouvi e senti essa música de Juan Luis Guerra numa coreografia que imaginei ter sido criada só para mim... “mojjjjaaadaaaa em ti” rosnava a leoa enquanto se despia e me despia até ficarmos só as duas nuas “bajo la luna”.

Normalmente não gosto e não me deixo levar no que toca ao sexo, prefiro ser eu a marcar o ritmo e a definir até onde esticam os meus limites. Mas nessa noite de loucura a minha voz calou-se perante a potência da sua e foi tudo como ela quis que fosse. Assumi-me passiva sem nunca o ter sido e deixei as suas mãos experientes brincarem com o meu corpo e o meu sexo. Movimentando-se duma forma fascinantemente perversa encostou-me a uma parede e atou-me as mãos a uma espécie de tela preparada para o efeito. Semi-reclinada, de mãos atadas como se fora algum Cristo abandonado a uma sorte desconhecida fechei os olhos e entrei numa outra dimensão, puramente sensual e sensorial.

Ela continuava a invocar algum demónio em forma de peixe à medida que lenta mas firmemente me abria as pernas para que pudesse explorar a gruta aquário que tinha elegido como seu abrigo nesta noite de lua cheia. Em pequenos toques suaves me penetrou de tal forma que senti toda a sua forma dentro de mim, boca, olhos, nariz, cauda, barbatanas, escamas que levemente se roçavam agigantando a gruta viva de onde brotavam mil pequenas fontes de água límpida e salgada que ela impacientemente sorvia. Espantoso era a forma como o meu corpo se lhe rendia aumentando a intensidade com que as águas cediam à medida que a cadência das suas borbulhas turbilhões aumentavam dentro de mim. Já não eram as suas mãos, nem a sua boca, nem a sua língua mas sim verdadeiras e majestosas ondas que se formavam à medida que a gruta atingia o seu auge e eu me sentia prestes a explodir sem me puder conter. E não me contive e foi como se uma enorme barragem se quebrasse pela força dos espasmos primordiais que me percorreram lançando jactos orquestrados com mestria por essa mulher libertadora que me quis mergulhar num mar imenso de infindáveis prazeres.

Talvez eu seja uma sortuda, bafejada pela sorte e pelo amor, mas neste início de verão escaldante é com imenso agrado que recordo todos estes pequenos detalhes que dão vida e cor à minha extensa manta de memórias coloridas.

 

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