Conversas de Natal

segunda-feira, dezembro 25

Noite de Natal! Estava-se mesmo a ver que ia dar asneira!

Tudo corria bem, a comida estava boa, o vinho era velho, as conversas de ocasião, tudo calmo e tranquilo, eis senão quando a conversa vai parar à homossexualidade.

(Sigam-me o raciocínio para ver se entendem, porque eu comecei a destilar fel de imediato e acho que perdi qualquer possibilidade de compreensão entretanto.)

Antes de prosseguir deixem-me enquadrar a “coisa”. À mesa estavam 1 casal na casa dos oitenta, 2 casais na casa dos 60, 2 casais na casa dos vinte e muitos e trinta e poucos e para terminar 3 individuais: a minha mãe, eu e um adolescente (deste grupo familiar, tirando a minha mãe, todos os outros desconfiam, mas não sabem). A conversa a dada altura vai parar às doenças (típico).

Às tantas a minha mãe pergunta se alguém sabe como está uma Sr.ª que teve um cancro no estômago e que alastrou aos intestinos (Sr.ª essa, mãe de uma amiga de infância que também é da equipa, a amiga o ano passado resolveu ir a Amesterdão casar com a sua namorada).

Ninguém sabia como estava a Sr.ª, mas todos conheciam a história. Entretanto oiço alguém (membro de um dos casais da casa dos vinte) dizer que a Sr.ª ficou pior devido ao desgosto que a filha lhe causou.

Eu (a entrar na sala e a apanhar a conversa a meio) – Han?
Ele – “Dizem” que a Sr.ª ficou pior devido à V. e o que ela fez o ano passado!
Eu (a começar a ficar com cara de poucos amigos) – Han?
Ele – Sabes o que a V. fez, não sabes?
Eu (a espumar) – Sei, e?
Mãe (a ver que eu estava ali, estava a fazer uma saída do armário ao ponta pé) – Oh, E. isso nem parece teu, que conversa é essa? Agora uma pessoa ficou pior de um cancro, porque uma filha decidiu fazer o que quis com a sua vida?
Ele (a olhar para mim) – Pois, mas é o que dizem!
Eu (a espumar, a ficar vermelha, a transpirar) – (…)
Mãe – Não brinquem comigo! Então o marido dela é a peça que é, faz o que faz, e ela fica pior porque a filha casa???

Eu levanto-me e saio (a desculpa de ir fumar é sempre muito bem aceite), se a conversa continuasse a coisa correria muito mal.

Alguém me explique este tipo de raciocínio! Eu a pensar que isto já não existia, e logo na minha família, com pessoas que eu amo de paixão…

Ora, vamos lá ver se faz sentido: filhas homossexuais pioram o cancro das mães!

Ah sim, agora sim, que estupidez a minha, tudo muito mais claro, faz um sentido perfeito agora, só precisava de descansar e afastar-me um pouco para ver a lógica da coisa…

Gracias mom!

16 comentários:

Anónimo disse...

Parece que te aguentas-te lindamente...
É complcado quando ouvimos pessoas que gostamos dizer as coisas mas estupidas ao cimo da terra, mas deixa lá... também têm direito à vida. É Natal!
Feliz 007 (ano de acção!!)
Bjs
Mi

NoZ disse...

Grande raciocínio o das pessoas!! A desculpa do "é o que dizem" também é muito boa, lol.Vá lá não dizem que a homossexualidade da filha foi causa directa para o cancro da mãe...

Anónimo disse...

Há umas décadas atrás teria sido escandaloso casar com um africano.
Não passa de preconceito, e tentativa de branquear a realidade, de medo da verdade, de admissão de irracionalidade, de cedência à estupidez, de auto-satisfação com a mediocridade intelectual e moral... Destas coisas que nos fazem sentir vergonha das nossas famílias, e orgulho pela nossa preserverança.

Always disse...

No Comments!

Alguém me pode explicar o espírito natalício outra vez, devagarinho como se eu tivesse 5 anos? É que eu acho que não entendi bem desde a última vez que me explicaram.

AR, um abraço solidário.

Anónimo disse...

Não é que um cancro de alguém piore com a orientação sexual de uma filha.
Mas é verdade que o preconceito social existe, pode tornar-se violento e levar a desequilíbrios emocionais, estados depressivos, etc., que no caso de alguém num estado debilitado como esse, pode agravar, de facto, a situação clínica.
Não é difícil compreender a conclusão que o casal tirou. Resta saber se essa intervenção que fizeram tinha objectivo ou se foi perfeitamente desinteressada. Num caso ou noutro, são sempre oportunidades para promover a discussão e para um diálogo saudável, se der, e até onde der, embora numa ceia de Natal, não seja assim mt apropriado :)
Se quisermos que nos compreendam, tb temos de compreender os outros. Pelo menos, para mim, é assim, e aos poucos as pessoas começarão a entender, a habituar-se à ideia. Mas não se mudam hábitos culturais e sociais de um dia para o outro.

Miss Shirley B. disse...

Eu até ía fazer um post sobre este assunto...mas dá-me tantas nauseas só de pensar nisto que desisti.

Diálogo??? Meus amigos, não me parece que haja diálogo possível.

Anónimo disse...

Ar,

lolololololol......para nao fugires á regra.....fantastico como sempre!
As tuas saidas airosas sao literalmente uma delicia!!
Tu nao existes mesmo!!!

Fica sempre bem nessas reuniões familiares esse tipo de temas.....eu alinho contigo no cigarrinho balle???
Espero que todos tenham passado um excelente natal, atribulados assim ou nao,e para ti AR em especial.....com uma cigarrada á mistura um abraço!
;)

Anónimo disse...

pois é Ar infelizmente estas coisas ainda se vêem, e msm assim não é do pior... cmg a minha familia é mais do tipo: preferia ter um filho criminoso a homossexual!! ou.. se é homossexual não é meu filho!!
uma pessoa só fica c vontade de mudar de família!

grandes entradas em 2007 pa tds =P

Anónimo disse...

Eu sei que não é fácil. Porém não será com escapadelas para fumar cigarros em momentos críticos que vais encurtar a distância que te separa da tua família.

Anónimo disse...

Entendo perfeitamente essa parte do "destilar fel". De facto não é fácil ouvir "barbaridades" gratuitamente, especialmente nessa ocasião específica com pessoas que se têm como família.
Contudo não deixo também de concordar com algumas partes do comentário da sk , nomeadamente: "que o preconceito social existe, pode tornar-se violento e levar a desequilíbrios emocionais, estados depressivos, etc., que no caso de alguém num estado debilitado como esse, pode agravar, de facto, a situação clínica "

No fundo o que me parece estar presente é a ignorância e o dogmatismo...e contra isto não sei que se faça, pois por muitos e muitos esforços que se tentem, por vezes é impossivel "desformatar" alguns discos bem "rígidos".

De qualquer forma, AR , tiveste uma atitude correcta, caso contrário o jantar teria ficado mau!

Wonder Woman disse...

Ar, realmente a reuunião de familia tem muito que se diga...
A mim em pleno jantar um dos participantes perguntou quando é eu teria filhos, eu nem tive tempo de reacção porque a minha mãe ( que vive em negação absoluta) respondeu imediatamente que eu não era pessoa para isso mas que o meu irmão vai ter, para compensar 3 ou 4,:p.
Há situações que não valem a pena o aborrecimento, que nenhum argumento derruba a formatação existente, o vinho velho é favoravel a discussões vazias, e nestes casos mais vale sair e fumar um garret...

Anónimo disse...

Anonymous:
A distância que me separa da minha familia é tão grande como a de qualquer outra pessoa, querendo isto dizer que até somos bastante próximos! O facto de (ainda) não lhes ter revelado a minha identidade sexual, é só uma questão de oportunidade! E na ceia de Natal de 2006, mais uma vez não me pareceu oportuno! Mas sim, não é a fumar cigarros que resolverei a questão...

SK:
Conheço bem as teorias da psicossomática! Mas, o que me irrita seriamente neste caso específico, são as inferencias directas. Trocando por miúdos, apesar de a Srª ter 3 filhos, um ex-marido, pais e outras pessoas importantes na sua vida, apesar desta Srª ter um negócio próprio, apesar de esta Srª ter-se divorciado recentemente, apesar de tudo isto e mais algumas coisas, infere-se directamente que o casamento da filha com a namorada é o responsável pelo deterioramento do estado de saúde da Srª.

Anónimo disse...

Minerva, Noz, Grace, Always, M.S.B, The City Lights, borbolet@, Guinhas & Wonder:

Obrigada pela solidariedade!!! :P

Anónimo disse...

Mas apesar disso tudo, de toda a conjuntura passada e presente da Sr.ª, não quer dizer que "isto" não contribua significativamente. Claro que haverão outras coisas a interferir e é lamentável que tenham apenas pegado numa... pq? Não sei. Mas consigo lembrar-me imediatamente de uma boa meia dúzia de razões, inclusive a do preconceito puro e duro.

Mas isto que me disseste a mim, devias ter-lhes dito a eles. Eu só respondi ao que tu escreveste. Não conheço "o caso" nem estava lá.
Bjs

Duca disse...

Deixa lá AR, pior que isso é estarmos com familiares afastados que resolveram fazer uma aproximação em nome do bom do espírito de natal e, durante a consoada, saírem-se com esta: "Vocês conhecem a não sei quantas? Parece que a gaja é esquisita! Coitados daqueles pais, já não lhes bastava o mariconço do filho!" e comigo de seguida a disparar: "Pois o melhor é eu sair da mesa porque sou tão esquisita como essa gaja e ainda posso causar alguma indigestão!"
Os tais familiares ficaram calados a olhar-me de soslaio e o ambiente ficou de cortar à faca!
Ainda bem! Talvez assim não tenham mais ataques de espírito de natal.

wind disse...

Queres encontrar lógica em preconceitos que não têm lógica?:)