Considerações em jeito de comentário

sexta-feira, janeiro 2



Depois de um Natal bem quente passado na cama a duas (cheias de febre) mas nem por isso lá muito sensual, hoje já me encontro mais compostinha graças à minha querida mulher que mesmo estando também ela doente tomou conta de mim melhor do que qualquer mãe ou enfermeira!

Em relação à polémica que despertou o texto que publiquei nas vésperas de Natal, sobre se devia ou não misturar sexo com a noite santa aproveito para esclarecer que de algum modo entendi os comentários da Teresa como sendo pouco simpáticos, pelo contrário. Ela expressou o seu ponto de vista, está no direito de o fazer e eu por aceitar comentários aos textos que publico tenho o dever de os considerar.

Uma pessoa que escreve num sítio público sujeita-se a críticas, é normal, é saudável, para mim é até positivo especialmente porque temas como o erotismo lésbico não são algo que debato frequentemente com os meus conhecimentos, maioritariamente porque à partida não gosto de chocar as pessoas, prefiro passar despercebida e como tal aqui pareceu-me um bom sítio por onde destilar uma parte de mim que me é importante. Os comentários positivos ajudam-me a sentir-me parte de algo que é maior do que eu, chamemos-lhe uma comunidade, embora a homossexualidade por si só não seja garante de nenhum outro tipo de compatibilidade entre as pessoas, neste caso entre mulheres.

Os comentários menos positivos, desde que sejam formulados duma forma simpática, como eu achei que fez a Teresa, obrigam-me a reflectir sobre as razões porque decido falar ou ser duma certa forma e neste caso em específico fizeram-me pensar sobre os motivos porque um dia resolvi que não era compatível para mim ser lésbica e católica.

Em parte tem a ver com o sexo também. A Igreja católica aprova e até incentiva uma forma de relação sexual, entre um homem e uma mulher com o fim único da procriação. É legítimo que o faça, eu própria considero que esse acto tem o seu quê de divino pois nesse momento de concepção de uma nova vida ambos, homem e mulher, se poderão sentir mais perto de Deus. Não quer dizer que aconteça, há sexo e sexo e há muitas crianças infelizmente concebidas de forma indesejada. Mas a natureza criativa presente no acto sexual entre um homem e uma mulher está sempre lá e é uma força muito potente, isso não se pode negar. Mesmo em relação à concepção de Jesus, e mesmo que aceitemos que a Virgem Maria tenha sido fecundada por um espírito, em vez de um qualquer homem, essa força criativa estava lá, presente nesse momento em que uma nova vida foi concebida. O acto do nascimento de Jesus não pode estar arredado desse acto que foi o da sua concepção, e como tal acho que encontrei alguma legitimidade em misturar o sexo com a noite de Natal.

Mas uma vez que a Igreja condena qualquer outro tipo de relacionamento sexual, eu não poderia manter-me católica porque isso seria achar que o tipo de relacionamento sexual que pratico é menor do que o relacionamento sexual entre um homem e uma mulher, porque é estéril, não contém potencial criativo. Ora eu não acho isso, para mim qualquer tipo de relacionamento sexual entre duas pessoas que se amam é muito válido, valioso até porque o ser humano se complementa e completa através do amor que sente por outra pessoa. A nossa forma de amar é diferente, sem dúvida, mas recuso-me a aceitar que seja menos válida ou menor! Aliás vou mais além e recuso-me a reconhecer autoridade moral aos padres para falarem sobre algo que desconhecem por completo. Nenhum homem, por mais espiritualmente iluminado que seja, pode falar sobre o que é o amor entre duas mulheres. Nunca saberá do que fala, não tem nem ideia do potencial afectivo, emocional e energético que existe, que se partilha, que se dá, que se recebe mesmo não estando ali presente a força criativa!

Mesmo assim não sou descrente, acredito numa força superior e incompreensível, algo que por vezes apenas pressentimos, uma energia infinita da qual todos comungamos um pouco. Poderia chamar a isso deus, embora não o conceba de todo como o Deus machista, implacável e castigador dos católicos. Aos olhos da Igreja eu sofro de um duplo estigma, por ser mulher e por ser lésbica. Não me esforcei nem me esforçarei por pertencer a algo cujos princípios morais me rebaixam e arrasam, nem carregarei o fardo de culpa milenar que o clero atira sobre os ombros de todas as mulheres desde que Eva supostamente seduziu Adão e o levou a com ela consumar o pecado original.

Agradeço a todos os comentários, mesmo aqueles que me fizeram pensar em tudo o que aqui tentei transmitir, e quero deixar um agradecimento especial à Alice, que mais uma vez me cumprimentou pelo uso dum português "cuidado". É verdade que naquilo que escrevo procuro a busca duma certa perfeição poética (mais do que gramatical) em jeito de homenagem à minha língua materna, que adoro e venero duma forma quase surreal. A linguagem escrita é para mim o único instrumento que tenho para exprimir tudo aquilo que sinto. Escrever é a minha única arte, esgrimir as palavras, atirá-las ao ar e escolher as que melhor cabem nas minhas construções é tanto um passatempo como uma obra do destino. E quem escreve por gosto não cansa.

Desejo a todas um excelente ano de 2009, cheio de saúde e amor. E inspiração também, especialmente às outras autoras deste blog, que se inspirem e que venham aqui partilhar as suas experiências para que neste ano que agora começa este blog volte a ganhar vida!

14 comentários:

Smootha disse...

Espero que estejam as duas de saúde reposta.
Que a mudança de ano tenho sido pelo menos um pouco mais sensual que o natal.
Beijos

Anónimo disse...

É um facto que existem homossexuais católicos, suponho que castos. Por uma questão de coerência, parece-me ser uma opção religiosa incompativel. Assim como o seria também, por exemplo, ser militante do CDS-PP.

Um bom ano e rápidas melhoras.

Pedro disse...

Como é lógico devemos estar abertos a receber todas as opiniões, ou não seria este um local público.

bjs

Anónimo disse...

Grande post-comentário-resposta Miranda. Que teu ano seja iluminado.

Anónimo disse...

Adorei o blog de vocês! Muito interessante, ágil, bem estruturado! Parabéns.

Verônica

Anónimo disse...

AHHHH como e' bom as polemicas, rs
elas me fazem parar para refletir, e no final sempre SOMA...
Beijosssssss
Muito bom tudo isto, rs!
mineira

Adoa Coelho disse...

Que muitos comentários se sigam...

Näo vi nada de mais nos comentários da "Teresa", se ela näo gostou tinha o direito de näo gostar e de escrever sobre isso. Nada mais.

Näo deveria ter sido atacada por isso. Mas quem gere um blogue deve por si julgar e pensar nesses casos.

Bom Ano!

Adoa Coelho disse...

Já agora, existem homossexuais católicos e pertencentes ao PP... Têm o direito ... Temos o direito como qualquer outro cidadäo a tais coisas. Embora näo o entenda, näo vou criticar mas respeitar.

Alice disse...

"E quem escreve por gosto não cansa."
Explicada a beleza dos seus textos: o amor às letras neles contido.

Que você continue inspirada em 2009.

Um grande abraço deste lado de cá do Atlântico.

Siren Beast disse...

Se á amor no acto sexual, ela não é apenas válido, é totalmente verdadeiro!! Vaiem para onde forem!

Bom ano e as melhoras para as duas!

inv3rs0 disse...

haverá algo mais criativo do que:

"Oh Zé, desculpa filho,foi um espírito que se me atravessou."

Anónimo disse...

blog bem interessante e booom de se ler... gosto que quem o escreva sejam mulheres cheias de força e de saber que pertencem à "tal" comunidade! :D (eu cá tambem pertenço). so para desejar um booooooooom ano para todas e que este blog continue e continue e continue :) carolina

Anónimo disse...

"O acto do nascimento de Jesus não pode estar arredado desse acto que foi o da sua concepção, e como tal acho que encontrei alguma legitimidade em misturar o sexo com a noite de Natal."

Só uma mente brilhante poderia fazer associações tão complexas

Anónimo disse...

Parabéns!
Sempre!
Que lufada!
O melhor de vós é aceitarem a diferença dos outros e daqueles que nem sempre possam estar de acordo!
Abençoadas! Bem Hajam!
Que saudades que eu tinha de cá vir...
E já agora, então e a promessa do socrates ninguém diz nada?