quarta-feira, agosto 26
Por vezes gostaria de me sentir uma ameaça à sociedade mas sei que não sou, nem nunca serei. A sociedade continuará a evoluir, de acordo com pressões culturais, religiosas e políticas, europeias, nacionais e regionais e eu limito-me a quedar-me espectadora das convulsões sociais, ansiosa para que algumas alterações me beneficiem a médio ou longo prazo. Em matéria de direitos sei que comparativamente não me posso queixar, afinal as mulheres até há relativamente pouco tempo não podiam aspirar a ter educação quanto mais a serem economicamente independentes de pai e marido.
Hoje em dia não só é permitido às mulheres que trabalhem, como é expectável que o façam, e as que assumem a sua ambição por uma carreira profissional, descurando família, marido e filhos, já não são olhadas de lado porque é normal, e até saudável que uma mulher tenha uma vida para além dos filhos.
Hoje em dia também é permitido às mulheres lésbicas que se assumam, que assumam as suas relações, que vivam em união de facto com a mulher que amam. Quando decidi juntar os trapinhos com a mulher que eu amo não houve problemas de espécie alguma, das imobiliárias aos bancos e até no cartório onde efectuámos a escritura, todos nos deram os parabéns, como se nos tivéssemos casado, como qualquer casal que decide encetar uma vida em comum.
Os vizinhos foram bastante acolhedores, especialmente os vizinhos de sexo masculino. Sempre senti um grau de aceitação inusitado por parte dos homens heterossexuais, compreensível se pensarmos que duas mulheres juntas é uma fantasia sexual recorrente para eles. Seja porque motivo for, a verdade é que os nossos vizinhos nos tratam nas palminhas. O mesmo não posso dizer das respectivas mulheres dos ditos vizinhos. Quando perceberam que éramos de facto um casal de mulheres, começaram a olhar-nos de lado, como se fossemos uma espécie de ameaça a qualquer coisa intangível. As nossas vizinhas heterossexuais sentem-se incomodadas com a nossa presença, e tenho a certeza que chateiam os maridos por nossa causa, que prefeririam que não estivéssemos na vizinhança, que alguma coisa de nós lhes tocará lá bem no fundo impelindo-as a olhar-nos de lado, com desprezo e talvez até algum ódio.
As minhas vizinhas fazem-me lembrar a Manuela Ferreira Leite e essa é uma das razões porque não posso votar nela nas eleições que se aproximam. Já senti na pele o desprezo dessas infames mulheres tradicionalistas que por certo nos associam à prostituição, se não a algo ainda pior. Para elas nós somos uma ameaça, na realidade nem sei bem porquê. Duas mulheres lésbicas nunca lhes roubarão os maridos, embora os possam manter distraídos e desconcentrados.
Ou têm uma ideia errada de nós (e quem poderá alterar-lhes essa ideia?) ou acham mesmo que somos o demo incarnado que viemos para lhes perturbar a aparente acalmia em que viviam. Mas se deixam que factores externos as perturbem tanto assim... que nervo será esse que tanto se irrita com a nossa presença ao seu lado? Gostaria de ter uma conversa franca com uma destas mulheres mas sei que isso não é possível. Existe um muro entre nós por elas erigido que eu não consigo penetrar e por isso talvez nunca perceba de onde lhes vêm os sentimentos que não escondem em relação a mim, e a nós.
5 comentários:
Creio que, por um lado, tal acontece pela triste ideia que muitos têm de que os homossexuais são "máquinas do sexo". Da mesma forma que se eu não conhecer nada de pessoa X senão que é engenheira, eu vou automaticamente pegar nesse pedacinho que conheço e julgá-la uma pessoa inteligente, apaixonada pela física e pela matemática, ignorando toda a imensidão que não sei sobre a pessoa em casa. Ora, saber que X é homosSEXUAL tem logo a conotação sexual. X é logo associada ao sexo, nem que seja a pessoa menos "sexual" do mundo. E uma mulher hetero conservadora deve certamente sentir-se "incomodada" por achar que a mulher homossexual que está à sua frente vê tudo o que é mulher sob um prisma sexual, incluindo ela própria. Na minha opinião, é daqui que vem a fobia de que a homossexualidade "se pega" e "se alastra". É todo um medo de se sentir objecto do desejo de uma mulher e, bem mais recalcado, de até gostar disso.
Se calhar será por aí OUT... talvez tenham medo de vir a ser "incomodadas" ou mais profundo ainda quem sabe gostariam mesmo de ser "incomodadas" e têm medo de nunca virem a ser, tornando-se aparentemente indiferentes numa indiferença um tanto ou quanto agressiva para esconder o interesse que de facto sentem em relação a nós. :P
Eu também não consigo entender porque nos tratam como ameaças em potencial à sociedade. Se os héteros soubessem o quanto nossa vidinha é comum e parecida com a deles!
Mesmo que o mundo "pule e avançe" existira sempre as tais vizinhas, quem nos repugnam, que nos acham uns ETs ou uma especie de bicho com 2cabeças prontas a "ataca las".
Acho que pessoas assim tem medo que a homossesualidade se pegue ou que nós lésbicas desviamos as filhas do "bom caminho". Não tem sentido. o mundo é livre, somos de carne e osso temos sentimentos. Sentimos como todos as outras pessoas que se "acham" normais perante nós.
não me sinto doente da cabeça sou super normal apenas gosto de mulheres. ninguem tem nada a ver com isso. pago os impostos nao pago?!!! não devo nada a ninguem que mais quer esta "merda" de gente??
beijos pa tdas/os.
ps- Toca a votar no BE.!!!!
Bem, acredito que muitas mulheres pensam, sim, que pelo fato de ser homossexual, pode vir a ter interesse nela, pelo menos foi o que já comentaram comigo. Daí penso....bem como a heterossexualidade, temos gostos também, não é pelo fato de ser mulher que ficamos com "qualquer uma", ou simplesmente por ser mulher, pois, tem mulheres que eu nem se quer olho, porque tudo é um conjunto, é uma conquista, e a depender isso depende de uma série de coisas.
É questão de ignorância, de fato.
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