Tu

quinta-feira, novembro 26



Duas letras apenas, nada de mais, só assim, uma palavra pequena, minúscula até e nela está contido o meu mundo e é assim que te vejo quando acordo de manhã e te encontro a dormir ao meu lado. Dormes com um sorriso, como se estivesses acompanhada de anjos no paraíso, e eu invejo-te a felicidade e a paz, na vaga esperança que em assim sonhando, sonhes também comigo. Não me serve de nada vir dizer que te adoro, tu sabes isso bem, sem palavras que não são necessárias, nunca foram entre nós. Eu olho-te e adoro-te, vejo-te a dormir em paz e adoro-te, cheiro-te e adoro-te, ouço-te a rir e adoro-te, perco-me nos teus braços e adoro-te, e juro-te amor e fidelidade até ao fim dos meus dias e digo-te que tomarei conta de ti e te protegerei contra todos os males e os perigos do mundo e tu riste de mim, incrédula de tanta convicção e alma, mas é verdade tudo o que te digo e tudo o que me ouves dizer-te sem palavras.

Nunca me senti assim, nunca. Nunca nada foi tão sublime e tão intenso, tão partilhado e tão cúmplice. Acabas-me onde eu começo, segues-me e depois levas-me. Somos um par, uma parelha, um casal, uma dupla, nem me interessa muito o nome, o rótulo, somos duas, mas para mim tudo se resume a uma só palavra... TU!

Entende estes pequenos recados como isso mesmo, são pequenas notas que deixo em tudo o que faço e digo, pedaços de mim que vivem para lá do nosso pequeno espaço e que apenas servem para mostrar ao resto do mundo que há histórias de Amor que foram feitas para se Viver!

"60% dos portugueses votou a favor do casamento homossexual"??

segunda-feira, setembro 28



Terão sido assim tantos (60% dos portugueses votaram a favor do casamento entre homossexuais) como diz Miguel Vale de Almeida, o primeiro deputado homossexual assumido a ser eleito (pelo PS) para a Assembleia da República?

Não importa quantos foram, muitos ou nem tantos assim, a verdade é que a igualdade de direitos da minoria LGBT voltou em força à agenda política! E espero que muito brevemente o tema sobre o casamento entre homossexuais volte também à Assembleia da República e que o PS desta vez faça aquilo que devia ter feito em Outubro passado!

Hoje é um bom dia porque a nossa esperança ganhou uma nova força, explícita e assumida! Só de ver as bandeiras do arco-íris a participarem na festa da vitória do PS nas eleições legislativas de ontem já nos dá um bocadinho mais de alento. Esperemos que desta vez os ventos de mudança tenham mesmo vindo para ficar!

Porque é que os homossexuais não podem casar?

quinta-feira, setembro 17

Parece uma pergunta tão simples, com uma resposta que deveria ser simples também. Estender o direito do casamento aos homossexuais não implica absolutamente nada em relação aos direitos de todas as outras pessoas. Não obriga ninguém a casar, até porque muitos homossexuais nem sequer querem ou pretendem fazê-lo. Até hoje nunca percebi quais são de facto os argumentos (tirando os religiosos) que levam a que haja tanta gente que se oponha a este tipo de união.

Segundo a religião católica o casamento tem como fim único a procriação, embora já tenha lido livros de teólogos que rebatiam essa argumentação citando o próprio Santo Agostinho para quem a procriação nem sequer faz parte das obrigações dum casal que se une pelo santo matrimónio. Hoje em dia e à luz de tantos problemas que existem num mundo sobrelotado continuará a fazer sentido insistir que quem casa deve procriar, sabendo que os casais que o fazem têm pouquíssimos incentivos, que a sociedade ferozmente consumista e competitiva dos nossos tempos não se compadece com o tempo que todos também deveriam ter para se dedicarem à família e aos filhos?

Dos argumentos que já ouvi e mais pena me causam são do lado dos homossexuais serem contra a extensão deste direito porque acham que as suas relações são “diferentes” das outras. Causam pena porque no fundo sentem-se inferiores aos outros, vêem a sua homossexualidade como um estigma, quem sabe se não até como uma doença. Estes são os homossexuais que se pudessem mudavam a sua orientação sexual, que não se aceitam tal como são e que vivem oprimidos por isso. É difícil rebater estes argumentos porque o cerne da questão está neles próprios e na sua atroz falta de auto-estima.

Também já ouvi heterossexuais dizerem que se esse direito for estendido aos homossexuais se sentem menos casados, como se isso desvalorizasse de alguma forma o sentido do casamento. Não consigo compreender este argumento, sinto que é algo que vem do mesmo fundo que a xenofobia ou o machismo profundo, quando homens brancos se sentiam ameaçados por terem que aceitar que homens de outras raças e cores tinham os mesmos direitos do que eles, ou quando os homens foram obrigados a aceitar que as mulheres tinham direito aos mesmos direitos do que eles. E qualquer uma dessas convulsões sociais terá sido bem mais penosa (porque mais alargada) do que esta que se pretende hoje.

Que os homossexuais irão ter direito a casar um dia é um facto, a sociedade civil caminha nesse sentido e já muitos passos foram dados para aqui chegar. A questão neste momento é só saber quando, porque isso irá fazer uma diferença significativa na vida de muitos casais e muitas famílias. Não se irão sentir mais casais nem mais famílias por isso, mas irão sentir-se mais aliviados por saberem que a lei os contempla e os protege, assim como a todos os outros cidadãos que nela participam plenamente.

Lesbian vampire killers

segunda-feira, agosto 31




Acho que é seguro declarar que nunca vi um filme com um título tão fantástico tornar-se numa tão grande desilusão! Segundo o Times é mesmo "an appalling waste of a perfectly decent title".

Confesso que tenho um certo fascínio por vampiros e vampiras (mais ainda se forem lésbicas naturalmente). Adoro tudo o que meta sexo, sangue e morte à mistura, acho que dá sempre um culminar orgásmico literário (ou cinematográfico) e confesso que adoraria um dia escrever um argumento sobre vampiras lésbicas, cheio dos ditos condimentos, sexo, sangue e muitas mortes!

Este filmeco de meia tigela, apesar do titulo fantástico, não chega nem perto daquilo que para mim seria uma história sobre vampiras lésbicas. Só de o dizer já fico cheia de arrepios, e não é de medo, apesar de considerar que um argumento deste género também se prestaria a um bom filme de terror. Imagino já os dentes delas a crescer, iluminados pela lua, imagino-as a morderem jovens virgens trémulas, imagino o sangue quente a escorrer-lhes pela boca, as suas línguas a saborearem gulosas as gotas gordas e reluzentes... ai!

O que eu nunca, mas nunca nunca nunca faria a um filme com um título destes seria transformá-lo num género de comédia estupidificante sobre dois heróis deficientes mentais que só pensam em mamas, cerveja e preservativos! Heeeelllloooo!!! Mas vamos por partes...

1) Nunca mas nunca chamaria Carmilla à minha rainha das vampiras lésbicas. Mas que raio de nome é esse?!?! Marvela, talvez... ou algo mais rebuscado ainda porque uma rainha, ainda para mais sendo vampira lésbica merece um nome à altura! Para além de lhe darem pouquíssimo tempo de antena, de não a porem a protagonizar uma cena de sexo com uma das suas súbditas, matam-na quase imediatamente após ter ressuscitado!

2) Nunca mas nunca poria dois homens por mais bem parecidos que fossem (e estes não são, bem pelo contrário) a matarem vampiras lésbicas! As vampiras lésbicas não podem ser mortas por homens, elas comem-nos ao pequeno almoço! Eles não são suficientemente inteligentes para conseguirem matar tais nobres criaturas. Temos pena!

3) A banda sonora é simplesmente execrável! Quem escolheu a porcaria que ouvimos durante o filme deve ser totalmente duro de ouvido (homem de certeza) e um filme com este titulo merecia uma boa banda sonora, ao estilo do David Bowie com o seu fantástico "Cat People".

4) Neste filme as mulheres tornam-se vampiras automaticamente quando atingem a maioridade o que até pode ser interessante mas em termos cinematográficos é péssimo. Toda a gente sabe como nos tornamos vampiras, temos que ser mordidas por uma vampira, é condição primordial para que a transformação se dê! Uma mulher está a dormir na cama, abre os olhos e de repente é vampira é muito mau! Nada disso, antes de o serem as vampiras têm que ser mordidas por outras mulheres vampiras. A vampira lésbica seduz a sua vitima, pode ser homem ou mulher embora só as suas vítimas que são mulheres se possam vir a tornar vampiras. A vampira lésbica usa os homens como comida, e as mulheres para o sexo. A vampira lésbica morde as vítimas e não é ela que controla o que lhes acontece. A vampira lésbica não é uma assassina, ela apenas tenta saciar as suas necessidades e os seus desejos, ela não chega a matar ninguém. Das vítimas mulheres nem todas se transformam em vampiras lésbicas, depende da reacção do seu sangue ao veneno que a vampira lhes injecta enquanto lhes morde os apetecíveis (e apetitosos!) pescoços. Algumas vítimas não se irão transformar em vampiras por terem uma quantidade substancial de anti-corpos adquiridos ao longo de muitos anos a fornicarem com homens. Sim porque ser vampira lésbica não está ao alcance de qualquer mulher!

5) O sexo é inexistente e essa é a maior falha de sempre em relação a um filme com este titulo! O filme merecia muitas cenas de sexo tórrido entre mulheres, as vampiras lésbicas adoram sexo, é o sexo que as motiva, mais ainda do que a sua inesgotável sede de sangue! Como é possível não haver nenhuma menção sequer de sexo para além duns insípidos beijos entre mulheres que pela forma como são filmados podiam bem ser cumprimentos entre amigas ou primas e não beijos entre vampiras lésbicas!

Posto isto mais uma vez declaro que adorei o titulo deste filme, mas detestei o filme em si. Quando for grande quero escrever sobre vampiras lésbicas e não vai ser nada disto, é que nem remotamente parecido!!

Seremos perigosas ou nem por isso?...

quarta-feira, agosto 26

Por vezes gostaria de me sentir uma ameaça à sociedade mas sei que não sou, nem nunca serei. A sociedade continuará a evoluir, de acordo com pressões culturais, religiosas e políticas, europeias, nacionais e regionais e eu limito-me a quedar-me espectadora das convulsões sociais, ansiosa para que algumas alterações me beneficiem a médio ou longo prazo. Em matéria de direitos sei que comparativamente não me posso queixar, afinal as mulheres até há relativamente pouco tempo não podiam aspirar a ter educação quanto mais a serem economicamente independentes de pai e marido.

Hoje em dia não só é permitido às mulheres que trabalhem, como é expectável que o façam, e as que assumem a sua ambição por uma carreira profissional, descurando família, marido e filhos, já não são olhadas de lado porque é normal, e até saudável que uma mulher tenha uma vida para além dos filhos.

Hoje em dia também é permitido às mulheres lésbicas que se assumam, que assumam as suas relações, que vivam em união de facto com a mulher que amam. Quando decidi juntar os trapinhos com a mulher que eu amo não houve problemas de espécie alguma, das imobiliárias aos bancos e até no cartório onde efectuámos a escritura, todos nos deram os parabéns, como se nos tivéssemos casado, como qualquer casal que decide encetar uma vida em comum.

Os vizinhos foram bastante acolhedores, especialmente os vizinhos de sexo masculino. Sempre senti um grau de aceitação inusitado por parte dos homens heterossexuais, compreensível se pensarmos que duas mulheres juntas é uma fantasia sexual recorrente para eles. Seja porque motivo for, a verdade é que os nossos vizinhos nos tratam nas palminhas. O mesmo não posso dizer das respectivas mulheres dos ditos vizinhos. Quando perceberam que éramos de facto um casal de mulheres, começaram a olhar-nos de lado, como se fossemos uma espécie de ameaça a qualquer coisa intangível. As nossas vizinhas heterossexuais sentem-se incomodadas com a nossa presença, e tenho a certeza que chateiam os maridos por nossa causa, que prefeririam que não estivéssemos na vizinhança, que alguma coisa de nós lhes tocará lá bem no fundo impelindo-as a olhar-nos de lado, com desprezo e talvez até algum ódio.

As minhas vizinhas fazem-me lembrar a Manuela Ferreira Leite e essa é uma das razões porque não posso votar nela nas eleições que se aproximam. Já senti na pele o desprezo dessas infames mulheres tradicionalistas que por certo nos associam à prostituição, se não a algo ainda pior. Para elas nós somos uma ameaça, na realidade nem sei bem porquê. Duas mulheres lésbicas nunca lhes roubarão os maridos, embora os possam manter distraídos e desconcentrados.

Ou têm uma ideia errada de nós (e quem poderá alterar-lhes essa ideia?) ou acham mesmo que somos o demo incarnado que viemos para lhes perturbar a aparente acalmia em que viviam. Mas se deixam que factores externos as perturbem tanto assim... que nervo será esse que tanto se irrita com a nossa presença ao seu lado? Gostaria de ter uma conversa franca com uma destas mulheres mas sei que isso não é possível. Existe um muro entre nós por elas erigido que eu não consigo penetrar e por isso talvez nunca perceba de onde lhes vêm os sentimentos que não escondem em relação a mim, e a nós.

A história de Ana e de Joana

quinta-feira, junho 25



Hoje não me deixaste dormir Joana. De cada vez que fechava os olhos via os teus olhos de anjo, a tua cara sofrida traçada por socalcos de desconsolo e incompreensão. Sempre te levantaste contra as injustiças do mundo, sempre pensaste mais nos outros do que em ti e hoje presto-te singela homenagem querida Joana. Porque este mundo ainda não está preparado para as diferenças intrínsecas que existem dentro de cada um de nós.


A mãe de Joana fechou os olhos logo após a exclamação da enfermeira "é um menino!" e nunca mais os abriu. Durante toda a gravidez tinha sonhado com a sua menina semente que sentia crescer pujante dentro da sua barriga. Muitos anos depois da sua morte pós-parto ainda se comentava que tinha sido o desgosto daquela troca de género que a tinha matado, ou talvez até o desgosto que tinha sentido por pressentir que aquela sua filha nunca poderia vir a ter uma vida fácil e despreocupada. O facto é que Joana se sentia culpada pela morte da mãe que não conhecera. Tudo na vida dela emanava desse “engano” primordial cometido sabe-se lá por quem nem porquê. Tal como sua mãe, Joana estava convencida que deveria ter nascido menina e achou que um pequeníssimo adereço a mais entre as suas pernas não deveria ter a mínima influência naquilo que era a sua essência verdadeira.

A somar à morte da mãe, o pai abandonou-a por achar que aquele filho frágil e doente não iria sobreviver aos anos da infância e entregou-a aos cuidados da avó, que se encarregou de providenciar a educação que sentia necessária à neta, fosse ela menino ou menina. Se Joana sobreviveu foi graças a essa avó, que de tudo fez para que ela se mantivesse à tona num mundo lamaçal pestilento de agressividade e egoísmo.

Na escola Joana brincava com as meninas e andava sempre com elas excepto nos momentos em que precisavam de usar a casa de banho. Havia sempre um adulto que se lhe punha no caminho e lhe dizia "Então?? Aí é a casa de banho das meninas, tu não podes entrar aí, tu tens pilinha!" E lá se lembrava que aquele minúsculo adereço lhe impunha rigorosas regras de segregação que todo o resto do seu ser não compreendia.

Na aldeia e na escola habituaram-se a chamá-la de Ju, já que ela não respondia quando a tratavam pelo nome de baptismo. João ou Joana, tantas diferenças contidas, escondidas em tão poucas letrinhas. E um preço tão alto a pagar por querer um "n" ali antes do "a" no final. Joana nunca quis o papel de vítima, mas era diferente para todos os que a víamos sempre esmurrada, negra de cotoveladas e pontapés que os miúdos e algumas miúdas se esmeravam em lhe dar. "Que se passa Ju? Fizeram-te mal?" perguntei-lhe muitas vezes. E ela respondia "nada vizinha, não é nada, isto passa!"

Ana era uma das poucas meninas que brincavam com Joana. Para Ana não havia dúvidas, Joana era mesmo uma menina como ela, mesmo que soubessem as duas da existência do tal adereço entre as pernas. Foi Ana quem primeiro começou a tratar Ju por Joana e Joana nunca mais reconheceu nenhum outro nome senão aquele apesar de todos os anos que passaram até que pudesse ser seu por direito.

Há medida que o tempo passava as meninas tornaram-se mulheres e os meninos homens e Joana ficou ali no meio, parada no tempo, sabendo aquilo que era mas não conseguindo encontrar aceitação no seio daquela gente para aquilo que queria ser. Quando fez 16 anos a avó chamou-a e deu-lhe uma pequena caixa onde tinha guardado todo o dinheiro que tinha conseguido poupar desde o nascimento de Joana. Disse-lhe que o seu tempo tinha chegado ao fim, que não iria durar muito mais, e pediu a Joana para se ir embora dali. Tinha medo do que lhe pudesse acontecer assim que ela não estivesse presente para lhe valer.

E assim Joana se foi daquela pequena aldeia onde vivíamos. Partiu para a cidade e mais tarde soubemos que tinha viajado para o Brasil. Só Ana lhe sentiu a falta penso... pelo menos só Ana me disse que sentia a falta daquela menina tão carinhosa, tão sensível, tão prestável e amiga de todos.

Um dia passados muitos anos Joana voltou à aldeia mas ninguém a reconheceu. Veio ter comigo e disse-me que se lembrava tão bem de mim, que me preocupara sempre por ela. Demorei algum tempo a rever naquela bela mulher o menino enfezado que dali tinha partido. Explicou-me que no Brasil estavam muito à frente nas cirurgias de mudança de sexo que não sendo um caminho fácil era já possível e com resultados muito positivos. Congratulei-a por ter perseverado nesse seu caminho, abracei-a mesmo, sentindo já um enorme carinho pela mulher feita em que Joana se tinha tornado.

Perguntou-me por Ana, queria revê-la e saber se ainda se lembraria dela. Eu sabia que Ana nunca tinha casado, que era uma miúda terrivelmente introspectiva, vivia consigo e para si e raros conheceriam o que lhe passava na alma. Lá lhe indiquei o caminho e vi-a abalar tão segura de si, tão cheia de confiança naquilo que agora tinha para dar. Querida Joana, como me arrependo hoje... devia ter pegado em ti e na Ana e devíamos ter saído logo dali!

Ana reconheceu Joana, logo assim que a viu vir. Havia qualquer coisa a ligar essas duas almas, tão transcendental como a vida e o amor. Teve com ela uma conversa que não tinha tido com mais ninguém, talvez estivesse à espera de Joana para descarregar esse fardo que a tinha trazido tão pesada e presa em si mesma. Ana explicou a Joana que um dia já depois dela ter abalado descobriu que não gostava de rapazes. Não suportava que lhe tocassem e muito menos que a beijassem! Dava-lhe asco o seu cheiro a terra, a suor e a álcool. De tal forma que da única vez que um rapaz a tinha tentado beijar Ana tinha soçobrado acometida por fortíssimas náuseas que assustaram o miúdo de tal forma que nunca mais nenhum rapaz quis tentar alguma coisa com ela. Mas Ana sabia que não era frígida, apesar de ser essa a sua fama na aldeia. Só ela sabia os sonhos que povoavam as noites longas e solitárias. Sonhos estranhos esses... feitos de mulheres que a agarravam e a beijavam e aí não havia lugar a pânico de espécie alguma. Ana confessou a Joana que sentia que gostava de mulheres, que seria esse o caminho, não por opção mas porque era esse o seu destino.

Mas sentia-se confusa em relação a Joana, porque a idade da razão lhe tinha trazido a consciência do problema da amiga. "Eu sempre te vi como menina, sempre te tratei como menina, sempre te quis, sempre gostei de ti assim..." E Joana explicou-lhe que nos anos volvidos tinha encetado esse longo e doloroso percurso físico que a tinha levado à transformação e reordenação de alguns dos seus órgãos exteriores e interiores. Ao longo dos anos, pouco a pouco, Joana viu emergir em si aquilo que a definia como mulher. E sentia-se mulher, mesmo face ao egoísmo dalgumas útero-fundamentalistas que lhe negavam o direito de se expressar enquanto mulher pelo simples facto de não puder vir a conceber. Sentia-se plena mesmo assim, mesmo sabendo que nunca poderia albergar vida em si. E para mim esse argumento era maldade pura... igual a alguém que insultasse um cego por não poder ver!

O caso é que Ana se sentiu atraída por Joana, já antes se tinha sentido, mas não assim, dessa forma tão bruta e latejante. Sentiu um desejo tão profundo por essa mulher, um sentimento tão desesperante de querer nela submergir para sempre. Joana confessou-lhe que também nunca a esquecera, que viera do outro lado do oceano para a procurar e para saber se ela era como as outras ou se a aceitaria tal como era. Estava até disposta a que fossem só amigas, desde que reatassem esse laço que as tinha unido em crianças.

Ana aceitou Joana, acolheu-a em si, abraçou-a, beijou-a, lambeu-a, comeu-a... e foi magnífico! Um momento único, feito de Amor, Desejo, Vontade e Sexo. Tudo junto por uma vez só, rodopiando, subindo, explodindo em estrelas de mil cores por cima duma, por cima doutra, renascendo as duas nesse momento, nesse dia em que se amaram e se juraram Amor eterno, para sempre!

Queria parar aqui a história, queria deixar as minhas memórias congelar neste preciso momento em que as duas mulheres se amaram como nunca e se sentiram rainhas do mundo e donas duma sabedoria divina. Mas logo após, pouco depois, não sei se foram poucos meses ou muitos, a história ficou manchada de sangue e tristeza. Porque os irmãos de Ana não se conformaram, porque espalharam pela aldeia que Joana era maluca, uma bruxa que tinha sido enviada pelo demónio para destruir a irmã e toda a aldeia. Porque as gentes do campo são crentes no básico e porque se unem em matilhas raivosas para nelas esgotarem as frustrações dos seus dias plenos de mesquinhez e futilidades. Porque o Amor e a Vida não significam nada para essas matilhas que se viram contra os seus! Porque Ana e Joana não previram que a Raiva fervia na cabeça e na pele dessas gentes e porque eu própria não as tirei daquele antro antes que os outros as encontrassem e as apedrejassem até à morte. Ana ainda viu Joana desfalecer com a força do embate da pedra bicuda na sua nuca. Ainda tentou estancar o sangue que jorrava do corpo da sua amada, mas sem dedos nem mãos suficientes para travar a vida esvaindo-se em soluços quentes e vermelhos. Ana ainda viu como a turba ululante se atirou a Joana e a retirou dos seus braços, pontapeando e socando o seu corpo moribundo. Depois foi a vez dela mas nesse momento já nada sentia, toda a sua dor se tinha ido juntamente com o ultimo suspiro da mulher que amava. As pedras embatiam-lhe na pele mas por dentro já se congratulava por sentir Joana cada vez mais perto, lá dentro dessa luz que a chamava, lá onde as duas poderiam finalmente viver o Amor que aqui lhes tinha sido negado.

Porque as minhas duas meninas ainda estão Vivas, tenho a certeza disso. Sinto a luz das suas estrelas, sinto-as por perto nestas noites quentes de Verão em que recordo os seus sorrisos e o brilho dos seus olhos nos breves momentos de felicidade que viveram juntas. Tenho pena que a sua Luz não brilhe mais intensamente, para dentro da cabeça daqueles que acham que tudo sabem, tudo podem, tudo mandam!

Dar a cara

segunda-feira, junho 22



Fomos à Marcha do Orgulho 2009 e apesar do calor que se fazia sentir em Lisboa, estava um ambiente que só visto!

Apareceu muita gente, muito mais do que eu estava à espera. E muitas mulheres, jovens, bonitas, assertivas e confiantes! Muitas vieram de fora de Lisboa, comentavam que em qualquer outro sítio não poderia ter sido assim. Menos mal, por algum lado temos que começar e se é em Lisboa que temos que mostrar a força dos nossos números, então que seja!

Estamos nos milhares, qualquer dia chegaremos ao milhão num movimento que já é imparável!

A esta não podemos faltar!

quarta-feira, junho 17



Tenho andado ausente por variadíssimos motivos pessoais e profissionais mas não posso deixar de apelar a tod@s que façam um esforço para estarem presentes na 10ª Marcha do Orgulho LGBT em Lisboa, já no próximo sábado. Acho, sinto, que o ano de 2008 foi um ano de viragem na causa dos direitos LGBT e acho, sinto, que daqui para a frente a nossa situação irá sem dúvida melhorar. Mas isso só se conseguirá à custa de tod@s os que se juntarem a nós na reivindicação dos nossos direitos. Tod@s, gays ou straights, teremos que demonstrar à sociedade civil que não pode continuar a menosprezar cerca de 10% (ou mais) dos seus membros. Queremos justiça e igualdade no tratamento das nossas situações conjugais e familiares! Queremos ser plenamente reconhecid@s como casais pela sociedade e pela lei!

Vamos à Marcha do Orgulho LGBT, por nós e por tod@s aqueles que ainda não têm coragem de dar a cara por medo e por vergonha!

Alcobaça Gay - Já no Sábado

quarta-feira, maio 6


A importância dEla

segunda-feira, março 30



Ela não é mãe delas, dessas crianças bonitas, saudáveis, brincalhonas e alegres que correm pelos corredores fora aos gritos sempre que pressentem a sua chegada. Agarram-se a ela, aos abraços e aos beijos e pulam de alegria sempre que ela lhes anuncia que lhes trouxe um “miminho”. Não sei se é dEla mas com a mãe nunca é assim... tudo o que a mãe lhes dá é recebido como se fosse esperado, sem grandes alaridos, como se fosse a sua obrigação dar-lhes aquilo que elas queriam receber.

Depois é com Ela que elas se atrapalham a quererem contar os seus dias, sempre diferentes, sempre plenos de acontecimentos emocionantes e emocionais que Ela acompanha com enorme atenção e expressividade. É uma ternura só vê-las dependuradas nos braços dEla, e Ela absorvendo cada momento como se fosse mãe dessas crianças, sem o ser, mas se calhar sendo um bocadinho, ou mesmo muito mais do que só isso.

Tudo o que Ela faz é bem feito, a comida é tão saborosa, os "miminhos" são tão fantásticos, a sua atenção tão deliciosa. Ela é uma presença constante nas suas vidas, é uma força tremenda, é alguém em quem elas confiam, de quem sentem saudades quando não está, com quem se ligaram tanto que Ela já aparece nos desenhos da “família”. “Esta sou eu, esta é a mana, e a mãe e tu estás aqui a voar por cima de nós, estás a ver?” uma figura com asas abertas sobre todas elas, abarcando, abraçando mãe e filhas dentro de um sentir que é maior do que tudo o resto, porque Ela é assim, dá tudo o que tem, partilha tudo o que sente e sente que aquela é a família que escolheu, que a escolheu a Ela também para se unirem numa unidade indivisível, inquebrável feita de muitos momentos, muitos minutos e horas e dias e noites de partilhas de angústias, de alegrias, de temores, de feridas, de dores e dissabores.

Tanto assim é que às vezes já nem querem a mãe, é com Ela que se abrem, é Ela que lhes dá colo e as consola e lhes diz que amanhã vai ser melhor, amanhã vai tudo passar e voltam a ser as crianças saudáveis, brincalhonas e alegres que lhe enchem a alma e o coração tanto que quase transborda de tudo, tanto... igual ao medo que tem de vir um dia a perder essa família que escolheu, que a escolheu a Ela. Porque nada do que ali se passa está previsto na lei, não está escrito que pode ser Ela a acompanhar essas crianças quando precisarem de um adulto responsável por elas, porque um dia alguém que não sabe que Ela escolheu aquela família, que a escolheu a Ela, pode vir dizer que Ela não pode estar ali porque não é suposto ser assim.

Por Ela, e todas as outras mães que o são no coração de tantas crianças, apesar de não o serem no papel, é preciso mudar e adaptar as leis sim, porque o mundo que está lá fora não sabe a intensidade do amor que cresce nos seios dessas famílias que sendo diferentes na composição não deixam de ser iguais no sentir e no querer às crianças que assim crescem e assim se educam por esse mundo fora. E muitos parabéns ao Público e a todos os orgãos de comunicação social que tiverem a coragem e a sensibilidade de abordarem este tema na perspectiva de resolução de um assunto que já é real para tantas famílias no nosso país.

Não sei o que pensar disto!

segunda-feira, março 9



Estive no Campo Pequeno na sexta-feira à noite para o que pessoalmente considerei ser um grande espectáculo de duas senhoras possuidoras de duas grandes vozes. Foi um espectáculo muito intimista, notava-se que Simone e Zélia estavam muito à vontade uma com a outra, mas daí a afirmar que elas trocaram vários beijos... "O tema de Luis Tati é terminado em dueto e em uníssono, culminando com o primeiro de muitos beijos na boca que o público foi testemunha."

Confesso que não vi nada disso, mas também não estava em posição de ver e será que isso foi o mais importante deste espectáculo?

Parece-me que esta notícia quis dar uma relevância a um tipo de relacionamento que pelo que sei Simone e Zélia não partilham, seja qual for a sua orientação sexual. E chateia-me que artistas do seu gabarito sejam alvo deste tipo de insinuações. As pessoas que foram ao Campo Pequeno foram para vê-las mas sobretudo para ouvi-las, porque são duas grandes artistas da MPB. A notícia cheira-me a coscuvilhice a roçar ao sensacionalismo e é pena que em Portugal tantas vezes a imprensa esteja mais interessada em saber quem dorme com quem ou quem beija quem do que naquilo que devia ter sido o seu foco de interesse, que foi a grandiosidade da junção daquelas duas vozes e almas cariocas para deleite de todos os que ali estavam para assistir a esse momento!

Facadinhas

quarta-feira, março 4


Frequentemente em debate, nas mais variadas conversas, é tema a traição: que todos traímos, que a monogamia é para poucos, que o pensamento já conta, que o beijo não conta, que quando é só cama não conta, que é a mentira a verdadeira traição... Enfim, na verdade os conceitos variam, os pesos e as medidas também. Os que não traem têm pouca credibilidade, parece que ninguém está livre dessa tentação.

Embora ache que generalizar é redutor e sem dar a minha opinião à partida, é corrente as relações acabarem porque uma das partes já tem uma nova candidata/o. Nas relações lésbicas esse parece ser o mote quando a coisa vai mal. A opinião é geral: malas aviadas para outra casa, com outra pessoa. Mas na malta mais jovem os conceitos são diferentes, leva-se mais tempo na "curte" e que nada é para sempre.

Estará o amor fora de moda? Amor para sempre, enquanto durar? Medo da solidão? Casamento por conveniência?

Não acredito!!

Familias

sexta-feira, fevereiro 27


Casa dos pais, jantar na mesa, TVI de fundo. Todas as vezes que lá vou passa uma notícia LGBT. Desta vez foi a gravidez daquele senhor.

Sobrinho - Epa, mas como é que um homem pode ter um filho?

Algum silêncio. Quem é que vai responder à criança? Espanto meu, existe alguém mais surpreendida do que eu? O meu pai foi o primeiro a abrir boca!

- Ele era uma mulher e fez uma operação porque quis ser homem, mas ficou lá dentro com a barriga para ter bebés.

- Isso é estranho, e teve que pôr uma pilinha? Para que é que quis ser homem?...

Como se não bastasse, a minha mãe vê uma imagem da esposa a amamentar e exclama:

- Mas como é que ela tem leite, se não foi ela que teve a criança?!!

Parecia uma daquelas publicidades em que uma velhota dizia que era uma vergonha porque iam dois gays de manga curta com aquele frio ou qualquer coisa do género... Se calhar, deviam ir aos "Prós e contras" falar com aqueles senhores da defesa da familia e afins.

Só sorri...

É um bocadinho triste isso é!

sexta-feira, fevereiro 20

Gosto desta mulher!

Apesar da brilhante argumentação (ide ver o que escreve a Fernanda Câncio no DN – via Rita Cacao), e de muitos acharem que sim, que temos toda a razão e que devíamos ter todos os direitos, quer a coisa se chame casamento ou outra coisa qualquer, depois temos uma larga facção da sociedade a quem este tema do casamento entre homossexuais já chateia. Porque dizem que se deveriam estar a discutir outros assuntos (não invalida que se discutam na mesma), porque acham que é uma manobra política de diversão e deixa cá entretermo-nos todos com discussões "fracturantes" e "filosóficas" até termos assuntos mais mediáticos.

Mas a culpa de tudo isto não é nossa, que eu saiba ninguém pediu a jornais, televisões, revistas, blogs e tudo por aí fora para dedicarem o seu tempo a escreverem a favor ou contra o casamento entre homossexuais. Por mim nem havia discussão, a lei passava, eu casava-me e ponto. Como em todos os temas éticos e sociais sobre o qual a Igreja tem uma posição imutável, esta questão nunca irá ser pacífica na sociedade até daqui a umas quantas gerações (como não foram certamente pacificas as alterações legislativas que atribuíram direitos às mulheres e às pessoas de raça negra, como refere e bem a Rita Cacao). E como a sociedade adora uma boa disputa, melhor ainda se houver humilhados e feridos, acho que já nem importa de que lado, cá vai de alimentar os ódios de estimação e dar tempo de antena a quem de outra forma nunca o teria.

Interessa-me alguma coisa aquilo que um qualquer burgesso que nem ler ou escrever sabe pensa sobre o facto de eu me querer casar com a mulher que eu amo? Interessa-me que ele ache que todos os homens homossexuais andam por aí disfarçados de mulheres e que todas as mulheres lésbicas se pareçam com camiões de 8 rodados e já agora com bigode e barba farfalhuda? Não, nada, zero!!

É uma questão de direitos fundamentais, nós somos uma minoria que nunca será aceite como igual pela facção conservadora da sociedade (que provavelmente ainda hoje não digere bem a igualdade de direitos entre homens e mulheres, entre brancos e pessoas de raça negra), e sendo Portugal um país laico, onde existe uma clara e intencional separação entre estado e Igreja, não devia sequer estar a haver discussão de espécie alguma!

Ai que nervos!!

terça-feira, fevereiro 17



Confesso que fiquei pregada à televisão e segui com enorme atenção tudo aquilo que foi dito ontem à noite no debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo no programa Prós e Contras da RTP1. O lado daqueles que são a favor estava muitíssimo bem representado por Miguel Vale de Almeida, a Dra. Isabel Moreira, o Dr. Pamplona Corte Real, Daniel Oliveira, Paulo Corte Real, uma brilhante Fernanda Câncio e uma plateia cheia de pessoas querendo ver a sua dignidade (ou a de amigos e familiares) reconhecida pelo estado. Os argumentos usados a favor do acesso ao casamento civil por pessoas do mesmo sexo são sobejamente conhecidos a começar pela nossa própria constituição que como referiu a Dra. Isabel Moreira proíbe a descriminação com base na orientação sexual do indivíduo. Se a constituição é aquilo que nos rege de mais básico e fundamental então a lei que regulamenta o acesso ao casamento civil é discriminatória porque impede uma pessoa homossexual de casar com uma pessoa do mesmo sexo.
Do lado daqueles que são contra ouvi argumentos de arrepiar, de pessoas que são supostamente cultas, inteligentes e deviam ser informadas sobre aquilo que se estava ali a discutir. Tirando o Padre António Vaz Pinto que foi o único com um discurso coerente e correspondente àquilo que seria de esperar de um elemento da Igreja, o resto deixou muito a desejar! Ouvimos coisas como:

• Não se altera a lei que regulamenta o acesso ao casamento civil mas alteram-se todas as outras que são discriminatórias como a lei do arrendamento, a lei do direito sucessório e por aí fora! Mas que trabalheira!
• As pessoas homossexuais têm o direito de se casarem desde que o façam com uma pessoa de sexo diferente! Ai…
• Os bissexuais são pessoas perigosas porque querem casar com um homem e uma mulher ao mesmo tempo! Ai…
• Um tipo sinistro da União das Famílias que dizia que os casais de homossexuais não são "normais", seguido de justíssimos protestos vindos do outro lado.
• Esse mesmo tipo sinistro a dizer que não há estudo nenhum que comprove que uma criança pode ser feliz se for adoptada por um casal de pessoas do mesmo sexo (não "normal" portanto). Ai… ao que Fernanda Câncio referiu e bem que já há muitas crianças adoptadas por pessoas homossexuais porque a lei portuguesa permite a adopção de crianças por pessoas singulares sem descriminação com base na orientação sexual, mas não permite a adopção a um casal de pessoas do mesmo sexo o que é um contra-senso no mínimo legal!
• Um outro tipo que se insurgia contra Daniel Oliveira e furiosamente gesticulava dizendo que não lhe admitia que este o chamasse de homofóbico, quando Daniel Oliveira referia, e bem, que as posições tomadas pelo dito eram de facto homofóbicas, porque intolerantes e discriminatórias.

De referir ainda aquilo que Isabel Moreira contestou ao Padre Vaz Pinto quando este tentou estabelecer uma analogia entre o casamento de pessoas do mesmo sexo e o casamento entre pais e filhos (incestuoso). Em termos jurídicos o casamento incestuoso é anulável com base num "erro" cometido por quem o contrai. Em termos jurídicos ao ser proibido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a lei está a dizer que o próprio homossexual é um erro ao não lhe permitir sequer o acesso a esse direito… por outras palavras a lei que regulamenta o acesso ao casamento civil é uma lei homofóbica e discriminatória.

Falaram muito bem todos os que deram a cara a favor do acesso ao casamento civil por pessoas do mesmo sexo. Frisaram inúmeras vezes que era uma questão de igualdade, de respeito, de dignidade pela pessoa humana em geral e pelos homossexuais em particular. Que esta minúscula alteração da lei irá permitir regulamentar juridicamente uma série de relações que já existem e que continuarão a existir, passando ou não passando a alteração proposta. Que esta alteração não retira direitos a ninguém, não prejudica ninguém, não humilha nem descrimina ninguém, pelo contrário, é uma medida a favor duma maior abrangência em termos sociais. Não põe em causa a continuidade da espécie, não põe em causa a orientação sexual de ninguém e muito menos duma maioria que é e continuará a ser heterossexual.

Tirando os argumentos pouco claros e baseados em crenças religiosas, fiquei sem perceber porque incomoda tanta gente que uma pessoa homossexual tenha o direito de casar com a pessoa que ama! :(

Descoberta de última hora!


Acabei de assistir ao aceso debate na RTP1, "Prós e contras" sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Aceito, em termos religiosos e pessoais, alguns dos argumentos do contra, embora não concorde. Outros porém, são inaceitáveis. Os preconceitos e homofobia ficaram bem patentes em algumas palavras, vincados de tal forma nas suas personalidades que é notório que os próprios autores estão empedernidos de intolerância e azedume.

É por isso que o ponto alto deste programa foi, para mim, quase no final quando a jurista defensora dos prós interpelou a plateia do não, dizendo que um dia aquelas jovens famílias que ali estavam teriam filhos homossexuais. A reacção foi inesperada até para mim, que estou familiarizada com estes debates. O repúdio a essa possibilidade ficou expressa, a certeza dessa impossibilidade também. Terão tomado uma vacina? Podiam ter avisado os meus pais... e já agora tinham uma boa táctica para nem sequer ser necessário este debate: é só vacinarem-se! E pronto, já está, acabaram-se os pervertidos e anormais.

Ahh meu caro Milk, como tinhas razão! Se em cada família, em cada grupo de amigos, em cada empresa soubessem quantos somos, que somos nós também responsáveis pela sociedade que todos construimos, para o bem e para o mal, e que somos só mais uns deles, e que não nos importamos.

Tristes exemplos!

sexta-feira, fevereiro 13


(Via caccaocino)

Enquanto na Califórnia os 18000 casais de homossexuais que conseguiram casar antes da passagem da infame Proposition 8 continuam a lutar para que os seus casamentos não sejam dissolvidos, em Portugal continua-se a achincalhar uma luta de uma comunidade que muitas vezes não consegue ser levada a sério.

Continua-se a associar a homossexualidade á bestialidade e à pedofilia, sem o mínimo respeito por aqueles que lutam pelo reconhecimento e pela dignidade das suas relações.

É pena que este senhor ache que os homossexuais são todos suburbanos que trabalham em cabeleireiros. Por isso é tão importante o apelo a que tod@s se assumam, que mostrem quem verdadeiramente são. Professores, médicos, advogados, engenheiros, gestores, actores, e até governantes, os homossexuais que um dia levantarem a sua voz contra este tipo de achincalhamento irão mostrar ao resto da sociedade que afinal já conhecem muitos homossexuais que admiram, respeitam e de quem gostam!

Só espero que este senhor e todos os outros que gozam com a homossexualidade desta forma se arrependam e se envergonhem das barbaridades que um dia pensaram e escreveram sobre aqueles que são também seus amigos, colegas, irmãos e familiares.

Isto sim é grave!

quarta-feira, fevereiro 11



Ok, a Igreja está apenas a cumprir o seu papel, não concordam com o casamento entre homossexuais e vão apelar ao voto contra os partidos que o defendam (nomeadamente o PS).

Agora o que me espanta é que não ouvi nenhum bispo português pronunciar-se sobre a anulação da excomunhão dos bispos que negam que o holocausto existiu. Este assunto causou indignação a nível mundial porque o holocausto não está em causa nem nunca esteve e a Igreja indignou-se com esses horríveis eventos tanto como qualquer outro ser humano se indignaria!

Este papa, afastando-se claramente da humanidade que caracterizava o chefe da Igreja anterior, duma penada resolve anular a excomunhão desses bispos e ponto final. Autocrático, autista, imperdoável!

A Igreja regride... ao apoiar bispos claramente xenóbofos que exprimem as suas opiniões contra tudo o que o resto do mundo pensa. A seguir virão ataques contra mulheres e inevitavelmente contra homossexuais. Não nos esqueçamos que no holocausto não morreram só judeus! Morreram também milhares de homossexuais!

Se no seio da Igreja foram reabilitados bispos que concordam (ignorando) as barbaridades que foram cometidas pelo III Reich, para onde caminham os supostos ilumidados de Deus?... Não auguro nada de bom deste papa "negro" que já conseguiu destruir um legado tão importante e tão arduamente conseguido ao longo dos anos por esse outro saudoso papa "branco". Não sou católica mas gostava de João Paulo II, era um homem sensível, bondoso, cuidadosíssimo em relação a tudo o que fazia e dizia. Agora este Ratz... enfim!!

Mea culpa!

segunda-feira, fevereiro 9



Bem sei que houve um sentimento generalizado de desgosto em relação à reportagem da Sábado porque tentou vender a infidelidade sob um prisma favorável. Era o tal "branqueamento" de que falei no meu texto em baixo. Foi claramente uma manobra para vender e não me pareceu correcta a forma leviana como quiseram dar a conhecer uma realidade que não será assim tão glamourosa nem sensual como foi apresentada.

Mas também não foi correcto o meu post, fui leviana nos insultos que dirigi de forma generalizada e que atingiram pessoas que não os merecem porque já têm sofrimento quanto baste na sua vida. Por cada mulher casada, que se assume como heterossexual e que se envolve com outras mulheres com a conivência do marido, que até sabe, gosta e se excita com isso, haverá muitas mais que sofrem com o peso da culpa e da traição que sentem estar a cometer. Se calhar a revista Sábado devia ter-se focado mais nestas mulheres, que têm problemas de consciência, que sentem estar a fazer algo de errado mas não sabem como dar a volta à sua vida, que gostavam muito de se assumir mas por inúmeras razões sabem que não o podem fazer por tudo aquilo que está em jogo e podem vir a perder.

E o post que escrevi era na realidade um insulto personalizado... o meu texto devia ter rezado assim: "Conheço uma mulher casada, que se assume como heterossexual e com a qual eu me envolvi há uns anos atrás, que é uma cabra. E o marido dela é um parvo dum cornudo que acredita em todas as mentiras que ela lhe diz." E pronto, foi o meu momento "lavagem de roupa suja em público" pleno de insultos dirigidos a uma mulher muito egoísta que um dia quis o "melhor dos dois mundos" sem pensar nas consequências dos seus actos e sem ter a mínima intenção de se responsabilizar por eles. A reportagem da revista Sábado fez-me revisitar o meu passado e despoletou em mim uma raiva que já não sentia há algum tempo.

Mas, e como em tudo há sempre um mas, infelizmente os meus insultos atingiram outras pessoas e a elas eu peço imensa desculpa. A diferença entre essas pessoas e as verdadeiras "cabras" é que elas sentem um enorme peso na consciência, sabem que estão a agir de forma errada e procuram desesperadamente uma saída para uma situação de duplicidade que as torna infelizes. Solidarizo-me com elas, e mais ainda me enerva esta sociedade de hipocrisia que tenta vender a parte boa das relações extraconjugais sem se focar e aprofundar mais a parte má. Há muitas mulheres a sofrer por esse país fora e eu, feito elefante em loja de cristais, ainda as magoei mais... peço mil desculpas a essas mulheres e desejo-lhes muita sorte e coragem para tentarem encontrar o seu caminho.

Desculpe, afinal sim...

sexta-feira, fevereiro 6


- Está lá? É do ACP. Queria pedir desculpa. Afinal a nossa colaboradora cometeu um grave erro. Para além de distraída é incompetente, tem má vontade e a culpa é toda dela. Nós sempre quisemos cumprir a lei.
- Eu perguntei se ela estava ao corrente da lei... Até insisti para que me passasse ao responsável.
- Bem sei. Isso já está a ser tratado. A senhora tem toda a razão. Peço-lhe desculpa, em meu nome pessoal e do ACP. Lá por ser lésbica pode pagar o seguro e já agora, as cotas!!

Piadas à parte, obtive vários pedidos de desculpa, não só do ACP como da seguradora, mediadora e parceira do clube. Resta-me reflectir sobre quem não reclama, sobre quem se deixa levar pelo caminho que menos trabalho dá e sobre uma questão que me acompanha há muito: tomar, ou não, nas nossas mãos as lutas que a nós dizem respeito. Não é justo para os que dão a cara, para os que se passeiam nas espampanantes marchas, pelos que vão à Assembleia da Républica e pelos que dão beijos na rua, não obterem uma pequena ajuda da maioria de nós. Devemos fazer-lhes justiça, ajudá-los a pôr em prática o que já foi conseguido por eles.

PS: No dia em que publiquei o post sobre o ACP, antes mesmo de o fazer, escrevi um e-mail a reclamar. Respondo assim aos nossos leitores que o sugeriram e muito bem. Não é da minha natureza passarem-me com o carro por cima na passadeira e deixar-me ficar... a menos que fique inconsciente.


O branqueamento da traição



Não sei a quem passou pela cabeça escrever um artigo sobre mulheres casadas que têm casos com outras mulheres. Cheira-me que terá sido um homem pela quantidade de fotografias de mulheres a beijarem-se que aparecem nas páginas da revista Sábado desta semana. Será que precisam assim tanto de aumentar as vendas da revista? Será que este assunto merece assim tanto destaque?

Mulheres que se envolvem com outras mulheres sempre existiram, sendo essas situações mais ou menos bem toleradas consoante as morais vigentes da época. Hoje em dia e provavelmente fortemente impulsionadas pela gigantesca indústria de pornografia essas situações tornaram-se corriqueiras, saltaram dos filmes XXX para filmes e telenovelas que passam em horários em que sabemos que as audiências são maioritariamente constituídas por crianças e adolescentes. Estranhamente não vejo a Igreja a insurgir-se contra a quantidade de barbaridades ditas e mostradas em nome da "abertura sexual" na nossa televisão hoje em dia.

Uma coisa é certa. A mim sempre me disseram para não me meter com mulheres casadas e eu sempre achei que eram de carácter moral duvidoso as mulheres casadas que se envolviam com outras mulheres. Esta reportagem serviu para reforçar ainda mais essa minha convicção.

As mulheres que se dizem heterossexuais, casadas (e algumas inclusive afirmam-se de católicas!) que se envolvem sexualmente com outras mulheres são umas cabras. E tentam branquear a infidelidade que cometem com a justificação inverosímil que os maridos até sabem, gostam, querem ver e participar! Os maridos dessas mulheres, esses que sabem, gostam e querem participar, para além de serem cornudos são uns parvos e uns tristes que não percebem que qualquer traição ou infidelidade é uma tremenda falta de respeito! Essas mulheres que os enganam, que lhes mentem e que os convencem que é tudo muito diferente e que só o fazem para os excitar ainda mais são umas cabras manipuladoras que possivelmente só continuam casadas pelo conforto financeiro que lhes advém dessa situação. E nesse caso para além de cabras estão ao nível das prostitutas de vão de escada!

E para além de tudo o resto essas mulheres estão também a prejudicar a luta pelos direitos dos homossexuais, nomeadamente das lésbicas. Elas fazem questão de sublinhar que apesar de gostarem de se envolver sexualmente com outras mulheres, são heterossexuais e não lésbicas. Consideram as relações entre mulheres como algo menor, talvez apenas "para aquecer", e logo não concebem que essas relações possam estar ao nível das relações entre homens e mulheres e nunca lutarão pelo nosso direito de acesso ao casamento civil, provavelmente muito pelo contrário! A sua postura é tremendamente machista, chegando a raiar a homofobia. Mas também mais não seria de esperar de cabras que põem os cornos aos maridos sem qualquer pejo nem sentimento de culpa.

A única nota relevante numa reportagem carregada de lugares comuns e da perpetuação de mitos sobre a sexualidade das mulheres, e admito que seja uma coscuvilhice de baixo nível, foi confirmar as minhas suspeitas que a actriz Alexandra Lencastre será lésbica. Resta saber se é das simples ou das com gelo...

A importância de Harvey Milk

quarta-feira, fevereiro 4



Fui ver o filme sobre este ilustre político maioritariamente desconhecido entre nós e tão bem representado por Sean Penn que merece sem dúvida o Oscar de melhor actor, não por representar bem o papel de um gay mas por representar duma forma tão convincente o papel de um activista político que assume a sua homossexualidade com uma frontalidade até então desconhecida. Recorde-se que nos anos 70 a homossexualidade nos Estados Unidos ainda era punida com pena de prisão. Não sei (mas confesso que gostaria de saber) o que acontecia aos homossexuais que se assumiam em Portugal antes da revolução de 25 de Abril de 1974. Acredito que seriam presos pela PIDE e provavelmente torturados até "desistirem dessas tendências" ou mesmo até à morte.

Este é o peso histórico que os activistas LGBT carregam nos seus ombros. Estes são os fantasmas do passado que nos fazem recordar que há alguns anos atrás nós não podíamos falar livremente sobre os nossos sentimentos e relações. A humilhação ocupava o lugar do orgulho, o menosprezo o lugar da dignidade.

Nada resume melhor Harvey Milk do que o discurso da esperança que ele proferiu em São Francisco em 1978, pouco antes de ser assassinado. Nada resume melhor Harvey Milk do que a profunda convicção que toda a gente conhece um gay ou uma lésbica, mesmo não sabendo quem são. Podem ser os nossos amigos, os nossos vizinhos, os nossos pais, os nossos filhos, os nossos colegas de trabalho e até os nossos políticos!

Mas os milhares de gays e lésbicas que existem à nossa volta só serão reconhecidos no dia em que eles próprios tiverem a força e a coragem para assumir aquilo que são. O maior grito de guerra de Harvey Milk, para além do grito de esperança que tantas vezes exclamou, foi exortar todos os gays e lésbicas a saírem do "armário", a assumirem aquilo que são sem medo e sem vergonha!

"The blacks did not win their rights by sitting quietly in the back of the bus. They got off! Gay people, we will not win our rights by staying quietly in our closets... We are coming out! We are coming out to fight the lies, the myths, the distortions! We are coming out to tell the truth about gays!" – Harvey Milk

Trad: "Os negros não ganharam os seus direitos mantendo-se sentados na traseira do autocarro. Eles levantaram-se e saíram! Homossexuais, nós não ganharemos os nossos direitos se ficarmos quietos dentro dos nossos armários... nós vamos sair! Nós vamos sair para lutar contra as mentiras, os mitos, as distorções! Nós vamos sair para dizer a verdade sobre gays!"

E é só desta forma, dando os gays e as lésbicas a conhecer ao mundo que os rodeia, que um dia esse mundo irá reconhecer que nós somos iguais aquilo que sempre fomos, porque o mundo já nos conhecia antes de nos assumirmos como gays e lésbicas. E já gostavam de nós antes, e já tinham orgulho em nós antes!

Se há alguma coisa que tenho aprendido nestes últimos tempos, nomeadamente desde que comecei a partilhar experiências através da net, é que o caminho a percorrer até termos os nossos direitos reconhecidos na sua totalidade é muito longo sim, mas há tantos e tantas que já o trilharam antes, e brilharam, e foram bem sucedidos, e foram reconhecidos como melhores do que os seus pares, apesar da sua homossexualidade! Um dia a orientação sexual dum indivíduo será tão indiferente como a cor da sua pele ou o seu género. Esse dia ainda está longe mas eu tenho muita esperança e espero que este cantinho seja um local que transmita esperança a pessoas que por aqui passam em momentos cruciais das suas vidas. Se assim for, se eu souber que transmitimos esperança a pelo menos uma pessoa homossexual que nos leu, já valeu a pena e já sentirei que a nossa luta pelos nossos direitos não irá esmorecer nunca!

Nesses casos...

segunda-feira, fevereiro 2




O Automóvel Clube de Portugal discrimina os homossexuais. (Ponto final parágrafo.)

O ACP tem uma campanha de seguros pessoais (que eu saiba é só uma) que dá vantagens, entre outras, para casais em união de facto. Uma senhora simpática e empenhada em vender telefonou-me e informou-me:

-Fantástico! Enviem lá isso então.
-Ahhhh não, mas para esses casos não.
-Porquê?
-É só para pessoas de sexo diferente!
-Mas isso não está de acordo com a lei...
-Pois, mas não, nesses casos não.

Já estou mesmo a ver, qualquer dia telefono com o carro empanado e se disser que sou lésbica:

- Ahh não, nesses casos não. Os gays e as lésbicas nem deviam andar de carro... nem de transportes. Se calhar o melhor era fazer uma ruazinha só p'ra eles!

E anda a gente a dar dinheiro a estes palhaços. Haja paciência...

A importância de Johanna Sigurdardottir

sexta-feira, janeiro 30



Pode ser uma política competentíssima, estou certa que seguramente o será, mas ser lésbica assumida é já motivo de orgulho para tantas mulheres por esse mundo fora e nós não somos excepção. Há por aí quem diga que esse facto não tem importância nenhuma, que ninguém quer saber da vida sexual de ninguém mas considerando que a senhora é uma mulher e lésbica assumida, em muitos países do mundo (Portugal incluído) nunca teria sequer uma hipótese de chegar a membro do parlamento, quanto mais a chefe de governo!

Já sabemos que Portugal tem uma das representações femininas mais baixas da Europa na assembleia. E quanto a homossexuais assumidos? Penso que a representação será mesmo de 0%! Considerando que os homossexuais representam cerca de 10% da população, quem está lá para defender os nossos direitos? Não assumidos dizem as más-línguas que haverá uns poucos (começando pelo Paulo Portas), mas quem será o primeiro a levantar-se e a procurar activamente defender os direitos duma minoria que tem sido humilhada e reprimida ao longo dos séculos?

Em que raio de armário estará o nosso Harvey Milk escondido??

A idade da inocência

quarta-feira, janeiro 28



Após o anúncio já esperado que o casamento homossexual voltará a estar na agenda política do partido que constituirá o próximo governo (há que ter esperança!), sei que iremos voltar ao velho tema da "opção" versus "orientação" sexual e como tal deixo já aqui a minha contribuição.

Tenho pena que os outros não saibam o que é nascer-se assim, quem é homem não sabe o que é ser mulher, quem é mulher não sabe o que é ser homem e quem é heterossexual não sabe o que é ser homossexual. Um dia um rapaz vê uma menina e aquilo mexe com ele e a partir daí identifica-se com a vasta maioria sem mais quês nem porquês.

Um dia uma menina vê outra menina, alunas ainda da primária num tempo longínquo em que o sexo era um tema tabu, e aquilo mexe com ela. Nem dez anos ainda feitos e já sabe que a Teté ilumina os seus dias, tal como o sol num dia quente de verão. Não vê televisão, nem sabe ainda o que isso é, as leituras resumem-se àquilo que os professores mandam ler, sabe por observação que os casais se compõem de um pai e de uma mãe e no entanto ela tem a mente fixada na Teté. Acha os rapazes feios, maus e sujos. Não sabem falar, cospem-lhe para cima e andam sempre aos pontapés e aos murros. Com a Teté é tudo diferente. Ela sorri-lhe duma forma tão carinhosa e ternurenta. Carente de mãe, já falecida, a menina aprecia essa parca bondade que lhe é dispensada e declara Teté a melhor pessoa do mundo, para além da mais bonita e simpática.

Procura o contacto físico com ela, nada parece real até ser tocado e sentido na pele. As mãos que se dão, os olhares que se trocam, os segredos mais íntimos sussurrados ao ouvido, é o começo duma relação diferente de todas as outras, sem nome ainda porque uma criança que nem dez anos tem não consegue definir algo tão complexo como a atracção sexual entre dois seres humanos.

Os dias passam sem pressas, aparentemente todos iguais mas sempre diferentes porque partilhados com a Teté e só quem vive uma tamanha amizade sabe a relevância que os pequenos gestos e olhares podem ter na vida duma criança. Um dia Teté diz-lhe que quer dar-lhe um beijo, parece uma coisa tão banal, afinal todos os dias se beijam quando se encontram e ao final do dia quando se despedem uma da outra. Mas não, o beijo que ela queria não era desses inocentes em que os seus lábios se encostam às suas bochechas redondas e afogueadas. Teté queria beijá-la na boca como já tinha visto adultos fazerem entre si. E esse pedido, esse desejo vindo duma sexualidade prestes a despertar, consumiu-a dias e dias seguidos. Se por um lado ela também queria beijar Teté dessa forma por outro tinha medo de estar a entrar num quarto proibido, até porque os beijos na boca não eram algo usual de se ver naquele tempo. Não sabendo ainda os caminhos que se abririam para si temia o desconhecido. Nem lhe passava pela cabeça que os tormentos seriam iguais se tivesse sido o Pedro a pedir-lhe um beijo em vez da Teté. Era o beijo em si que a inquietava, e não o facto da Teté ser uma menina tal como ela.

Passado uma semana esconderam-se na casa de banho para faltarem à aula de português e fugiram para o recreio quando já os outros meninos se encontravam a conjugar verbos sem saber o impacto que aquele momento teria na vida daquelas duas meninas. Foi ali mesmo, por baixo do parapeito da sala de aula de onde escorregavam pretéritos imperfeitos e mais que perfeitos, que ela e Teté se aninharam e muito ao de leve deixaram as suas bocas tocarem-se durante uns segundos que lhes pareceram uma eternidade. Como é que um simples gesto, um toque tão inocente, marca e define para sempre a vida de duas crianças que se descobrem homossexuais sem saberem ainda as dificuldades e sacrifícios que essa "escolha" lhes irá acarretar ao longo da vida?

Não "escolhemos" ser homossexuais, podemos é escolher não viver essa nossa característica na sua plenitude. Podemos escolher casar para que ninguém desconfie dos olhares lascivos que deitamos às irmãs dos nossos namorados. Podemos escolher ser mães porque temos essa vontade e esse direito. Mas bem lá no fundo e independentemente de quem esteja a dormir connosco na cama, não podemos apagar da memória nem dos sonhos essa tarde fresca de primavera em que demos o nosso primeiro beijo.

Devia ser simples para qualquer outro ser humano compreender que isto não se explica com meros "porque é assim que deve ser". Nós entendemos bem esse "é assim que deve ser", mas isso não ajuda o que sentimos em relação às pessoas com as quais nos cruzamos ao longo da vida. Ninguém sabe porque é homossexual, ninguém consegue explicar racionalmente aquilo que sente. Sei que a Igreja irá tentar pôr a homossexualidade ao mesmo nível da pedofilia e da bestialidade e que isso irá entristecer e humilhar milhares de pessoas que se esforçam todos os dias para serem seres humanos dignos, respeitadores e respeitados no seio da sua comunidade.

As batalhas que ainda nos faltam travar são imensas! Só espero que tod@s tenham capacidade e coragem para enfrentar as tantas barreiras que ainda nos faltam transpor até sermos vistos e tratados como membros plenos das sociedades que nos acolhem. E espero tanto que um dia toda a humanidade compreenda que ninguém "escolhe" ser homossexual, é algo que está tão enraizado em nós que nem ameaças, insultos, ou tratamentos de choque conseguiram erradicar. Não desistam nunca de lutar pela vossa felicidade, pelo vosso direito de viverem uma vida ao lado da pessoa que amam, estou a torcer por tod@s nós!

Afinal, lésbica simples ou com... gelo?

sexta-feira, janeiro 16

Há coisas que não entendo. Uma delas é esta velha discussão de que o lesbian chic é para gajos e foi uma invenção extraterreste. Que uma verdadeira lésbica tem que ser camião, sapatão, butch e por aí fora, porque as outras são só para enganar. A mim tanto me faz. Verdade!
Irrita-me discutir sobre camisas xadrez e cabelos curtos, sobre o direito ao seu uso e se está na moda. O resto quanto a mim é que conta. Para cada uma contará de maneira diferente. O que quero dizer é que, importavam-se lá as gajas se a Angelina (para generalizar) aparecesse para aí de camisão largo e de ténis. Ouço em demasiados sítios que esta coisa de aparecerem sempre miúdas p'ro bonitinho é redutor do mundo lésbico real, que o L word é uma fantasia (é uma série, claro que é), e por outro lado, deviamos ser todas assim.
Não, as lésbicas não têm que ser feias e se forem, qual é o problema? Gente feia é o que mais para aí há. Mas quem é que não gosta de ver uma miúda gira? Fazem o favor de me explicar!

Monte de vampiros!

quarta-feira, janeiro 14



Ah não, o que o cardeal patriarca queria dizer era que as mulheres devem pensar duas vezes antes de casarem com um homem, um qualquer, católico, muçulmano, seja de que raça ou religião for, é sempre um monte de sarilhos! Porque eles bebem, e mentem e enganam-nas com o primeiro rabo de saia que lhes apareça à frente, e depois batem-lhes por motivos tão irrisórios como a frustração pela demora em ser servidos ou a derrota dum qualquer clube de futebol. Era isso que o senhor queria dizer, seguramente… até porque ele não é xenófobo, nem sexista, nem homofóbico, nem nada disso… é um senhor iluminado que só pensa no bem-estar das mulheres como um todo!

Considerações em jeito de comentário

sexta-feira, janeiro 2



Depois de um Natal bem quente passado na cama a duas (cheias de febre) mas nem por isso lá muito sensual, hoje já me encontro mais compostinha graças à minha querida mulher que mesmo estando também ela doente tomou conta de mim melhor do que qualquer mãe ou enfermeira!

Em relação à polémica que despertou o texto que publiquei nas vésperas de Natal, sobre se devia ou não misturar sexo com a noite santa aproveito para esclarecer que de algum modo entendi os comentários da Teresa como sendo pouco simpáticos, pelo contrário. Ela expressou o seu ponto de vista, está no direito de o fazer e eu por aceitar comentários aos textos que publico tenho o dever de os considerar.

Uma pessoa que escreve num sítio público sujeita-se a críticas, é normal, é saudável, para mim é até positivo especialmente porque temas como o erotismo lésbico não são algo que debato frequentemente com os meus conhecimentos, maioritariamente porque à partida não gosto de chocar as pessoas, prefiro passar despercebida e como tal aqui pareceu-me um bom sítio por onde destilar uma parte de mim que me é importante. Os comentários positivos ajudam-me a sentir-me parte de algo que é maior do que eu, chamemos-lhe uma comunidade, embora a homossexualidade por si só não seja garante de nenhum outro tipo de compatibilidade entre as pessoas, neste caso entre mulheres.

Os comentários menos positivos, desde que sejam formulados duma forma simpática, como eu achei que fez a Teresa, obrigam-me a reflectir sobre as razões porque decido falar ou ser duma certa forma e neste caso em específico fizeram-me pensar sobre os motivos porque um dia resolvi que não era compatível para mim ser lésbica e católica.

Em parte tem a ver com o sexo também. A Igreja católica aprova e até incentiva uma forma de relação sexual, entre um homem e uma mulher com o fim único da procriação. É legítimo que o faça, eu própria considero que esse acto tem o seu quê de divino pois nesse momento de concepção de uma nova vida ambos, homem e mulher, se poderão sentir mais perto de Deus. Não quer dizer que aconteça, há sexo e sexo e há muitas crianças infelizmente concebidas de forma indesejada. Mas a natureza criativa presente no acto sexual entre um homem e uma mulher está sempre lá e é uma força muito potente, isso não se pode negar. Mesmo em relação à concepção de Jesus, e mesmo que aceitemos que a Virgem Maria tenha sido fecundada por um espírito, em vez de um qualquer homem, essa força criativa estava lá, presente nesse momento em que uma nova vida foi concebida. O acto do nascimento de Jesus não pode estar arredado desse acto que foi o da sua concepção, e como tal acho que encontrei alguma legitimidade em misturar o sexo com a noite de Natal.

Mas uma vez que a Igreja condena qualquer outro tipo de relacionamento sexual, eu não poderia manter-me católica porque isso seria achar que o tipo de relacionamento sexual que pratico é menor do que o relacionamento sexual entre um homem e uma mulher, porque é estéril, não contém potencial criativo. Ora eu não acho isso, para mim qualquer tipo de relacionamento sexual entre duas pessoas que se amam é muito válido, valioso até porque o ser humano se complementa e completa através do amor que sente por outra pessoa. A nossa forma de amar é diferente, sem dúvida, mas recuso-me a aceitar que seja menos válida ou menor! Aliás vou mais além e recuso-me a reconhecer autoridade moral aos padres para falarem sobre algo que desconhecem por completo. Nenhum homem, por mais espiritualmente iluminado que seja, pode falar sobre o que é o amor entre duas mulheres. Nunca saberá do que fala, não tem nem ideia do potencial afectivo, emocional e energético que existe, que se partilha, que se dá, que se recebe mesmo não estando ali presente a força criativa!

Mesmo assim não sou descrente, acredito numa força superior e incompreensível, algo que por vezes apenas pressentimos, uma energia infinita da qual todos comungamos um pouco. Poderia chamar a isso deus, embora não o conceba de todo como o Deus machista, implacável e castigador dos católicos. Aos olhos da Igreja eu sofro de um duplo estigma, por ser mulher e por ser lésbica. Não me esforcei nem me esforçarei por pertencer a algo cujos princípios morais me rebaixam e arrasam, nem carregarei o fardo de culpa milenar que o clero atira sobre os ombros de todas as mulheres desde que Eva supostamente seduziu Adão e o levou a com ela consumar o pecado original.

Agradeço a todos os comentários, mesmo aqueles que me fizeram pensar em tudo o que aqui tentei transmitir, e quero deixar um agradecimento especial à Alice, que mais uma vez me cumprimentou pelo uso dum português "cuidado". É verdade que naquilo que escrevo procuro a busca duma certa perfeição poética (mais do que gramatical) em jeito de homenagem à minha língua materna, que adoro e venero duma forma quase surreal. A linguagem escrita é para mim o único instrumento que tenho para exprimir tudo aquilo que sinto. Escrever é a minha única arte, esgrimir as palavras, atirá-las ao ar e escolher as que melhor cabem nas minhas construções é tanto um passatempo como uma obra do destino. E quem escreve por gosto não cansa.

Desejo a todas um excelente ano de 2009, cheio de saúde e amor. E inspiração também, especialmente às outras autoras deste blog, que se inspirem e que venham aqui partilhar as suas experiências para que neste ano que agora começa este blog volte a ganhar vida!

 

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