A importância de Johanna Sigurdardottir

sexta-feira, janeiro 30



Pode ser uma política competentíssima, estou certa que seguramente o será, mas ser lésbica assumida é já motivo de orgulho para tantas mulheres por esse mundo fora e nós não somos excepção. Há por aí quem diga que esse facto não tem importância nenhuma, que ninguém quer saber da vida sexual de ninguém mas considerando que a senhora é uma mulher e lésbica assumida, em muitos países do mundo (Portugal incluído) nunca teria sequer uma hipótese de chegar a membro do parlamento, quanto mais a chefe de governo!

Já sabemos que Portugal tem uma das representações femininas mais baixas da Europa na assembleia. E quanto a homossexuais assumidos? Penso que a representação será mesmo de 0%! Considerando que os homossexuais representam cerca de 10% da população, quem está lá para defender os nossos direitos? Não assumidos dizem as más-línguas que haverá uns poucos (começando pelo Paulo Portas), mas quem será o primeiro a levantar-se e a procurar activamente defender os direitos duma minoria que tem sido humilhada e reprimida ao longo dos séculos?

Em que raio de armário estará o nosso Harvey Milk escondido??

A idade da inocência

quarta-feira, janeiro 28



Após o anúncio já esperado que o casamento homossexual voltará a estar na agenda política do partido que constituirá o próximo governo (há que ter esperança!), sei que iremos voltar ao velho tema da "opção" versus "orientação" sexual e como tal deixo já aqui a minha contribuição.

Tenho pena que os outros não saibam o que é nascer-se assim, quem é homem não sabe o que é ser mulher, quem é mulher não sabe o que é ser homem e quem é heterossexual não sabe o que é ser homossexual. Um dia um rapaz vê uma menina e aquilo mexe com ele e a partir daí identifica-se com a vasta maioria sem mais quês nem porquês.

Um dia uma menina vê outra menina, alunas ainda da primária num tempo longínquo em que o sexo era um tema tabu, e aquilo mexe com ela. Nem dez anos ainda feitos e já sabe que a Teté ilumina os seus dias, tal como o sol num dia quente de verão. Não vê televisão, nem sabe ainda o que isso é, as leituras resumem-se àquilo que os professores mandam ler, sabe por observação que os casais se compõem de um pai e de uma mãe e no entanto ela tem a mente fixada na Teté. Acha os rapazes feios, maus e sujos. Não sabem falar, cospem-lhe para cima e andam sempre aos pontapés e aos murros. Com a Teté é tudo diferente. Ela sorri-lhe duma forma tão carinhosa e ternurenta. Carente de mãe, já falecida, a menina aprecia essa parca bondade que lhe é dispensada e declara Teté a melhor pessoa do mundo, para além da mais bonita e simpática.

Procura o contacto físico com ela, nada parece real até ser tocado e sentido na pele. As mãos que se dão, os olhares que se trocam, os segredos mais íntimos sussurrados ao ouvido, é o começo duma relação diferente de todas as outras, sem nome ainda porque uma criança que nem dez anos tem não consegue definir algo tão complexo como a atracção sexual entre dois seres humanos.

Os dias passam sem pressas, aparentemente todos iguais mas sempre diferentes porque partilhados com a Teté e só quem vive uma tamanha amizade sabe a relevância que os pequenos gestos e olhares podem ter na vida duma criança. Um dia Teté diz-lhe que quer dar-lhe um beijo, parece uma coisa tão banal, afinal todos os dias se beijam quando se encontram e ao final do dia quando se despedem uma da outra. Mas não, o beijo que ela queria não era desses inocentes em que os seus lábios se encostam às suas bochechas redondas e afogueadas. Teté queria beijá-la na boca como já tinha visto adultos fazerem entre si. E esse pedido, esse desejo vindo duma sexualidade prestes a despertar, consumiu-a dias e dias seguidos. Se por um lado ela também queria beijar Teté dessa forma por outro tinha medo de estar a entrar num quarto proibido, até porque os beijos na boca não eram algo usual de se ver naquele tempo. Não sabendo ainda os caminhos que se abririam para si temia o desconhecido. Nem lhe passava pela cabeça que os tormentos seriam iguais se tivesse sido o Pedro a pedir-lhe um beijo em vez da Teté. Era o beijo em si que a inquietava, e não o facto da Teté ser uma menina tal como ela.

Passado uma semana esconderam-se na casa de banho para faltarem à aula de português e fugiram para o recreio quando já os outros meninos se encontravam a conjugar verbos sem saber o impacto que aquele momento teria na vida daquelas duas meninas. Foi ali mesmo, por baixo do parapeito da sala de aula de onde escorregavam pretéritos imperfeitos e mais que perfeitos, que ela e Teté se aninharam e muito ao de leve deixaram as suas bocas tocarem-se durante uns segundos que lhes pareceram uma eternidade. Como é que um simples gesto, um toque tão inocente, marca e define para sempre a vida de duas crianças que se descobrem homossexuais sem saberem ainda as dificuldades e sacrifícios que essa "escolha" lhes irá acarretar ao longo da vida?

Não "escolhemos" ser homossexuais, podemos é escolher não viver essa nossa característica na sua plenitude. Podemos escolher casar para que ninguém desconfie dos olhares lascivos que deitamos às irmãs dos nossos namorados. Podemos escolher ser mães porque temos essa vontade e esse direito. Mas bem lá no fundo e independentemente de quem esteja a dormir connosco na cama, não podemos apagar da memória nem dos sonhos essa tarde fresca de primavera em que demos o nosso primeiro beijo.

Devia ser simples para qualquer outro ser humano compreender que isto não se explica com meros "porque é assim que deve ser". Nós entendemos bem esse "é assim que deve ser", mas isso não ajuda o que sentimos em relação às pessoas com as quais nos cruzamos ao longo da vida. Ninguém sabe porque é homossexual, ninguém consegue explicar racionalmente aquilo que sente. Sei que a Igreja irá tentar pôr a homossexualidade ao mesmo nível da pedofilia e da bestialidade e que isso irá entristecer e humilhar milhares de pessoas que se esforçam todos os dias para serem seres humanos dignos, respeitadores e respeitados no seio da sua comunidade.

As batalhas que ainda nos faltam travar são imensas! Só espero que tod@s tenham capacidade e coragem para enfrentar as tantas barreiras que ainda nos faltam transpor até sermos vistos e tratados como membros plenos das sociedades que nos acolhem. E espero tanto que um dia toda a humanidade compreenda que ninguém "escolhe" ser homossexual, é algo que está tão enraizado em nós que nem ameaças, insultos, ou tratamentos de choque conseguiram erradicar. Não desistam nunca de lutar pela vossa felicidade, pelo vosso direito de viverem uma vida ao lado da pessoa que amam, estou a torcer por tod@s nós!

Afinal, lésbica simples ou com... gelo?

sexta-feira, janeiro 16

Há coisas que não entendo. Uma delas é esta velha discussão de que o lesbian chic é para gajos e foi uma invenção extraterreste. Que uma verdadeira lésbica tem que ser camião, sapatão, butch e por aí fora, porque as outras são só para enganar. A mim tanto me faz. Verdade!
Irrita-me discutir sobre camisas xadrez e cabelos curtos, sobre o direito ao seu uso e se está na moda. O resto quanto a mim é que conta. Para cada uma contará de maneira diferente. O que quero dizer é que, importavam-se lá as gajas se a Angelina (para generalizar) aparecesse para aí de camisão largo e de ténis. Ouço em demasiados sítios que esta coisa de aparecerem sempre miúdas p'ro bonitinho é redutor do mundo lésbico real, que o L word é uma fantasia (é uma série, claro que é), e por outro lado, deviamos ser todas assim.
Não, as lésbicas não têm que ser feias e se forem, qual é o problema? Gente feia é o que mais para aí há. Mas quem é que não gosta de ver uma miúda gira? Fazem o favor de me explicar!

Monte de vampiros!

quarta-feira, janeiro 14



Ah não, o que o cardeal patriarca queria dizer era que as mulheres devem pensar duas vezes antes de casarem com um homem, um qualquer, católico, muçulmano, seja de que raça ou religião for, é sempre um monte de sarilhos! Porque eles bebem, e mentem e enganam-nas com o primeiro rabo de saia que lhes apareça à frente, e depois batem-lhes por motivos tão irrisórios como a frustração pela demora em ser servidos ou a derrota dum qualquer clube de futebol. Era isso que o senhor queria dizer, seguramente… até porque ele não é xenófobo, nem sexista, nem homofóbico, nem nada disso… é um senhor iluminado que só pensa no bem-estar das mulheres como um todo!

Considerações em jeito de comentário

sexta-feira, janeiro 2



Depois de um Natal bem quente passado na cama a duas (cheias de febre) mas nem por isso lá muito sensual, hoje já me encontro mais compostinha graças à minha querida mulher que mesmo estando também ela doente tomou conta de mim melhor do que qualquer mãe ou enfermeira!

Em relação à polémica que despertou o texto que publiquei nas vésperas de Natal, sobre se devia ou não misturar sexo com a noite santa aproveito para esclarecer que de algum modo entendi os comentários da Teresa como sendo pouco simpáticos, pelo contrário. Ela expressou o seu ponto de vista, está no direito de o fazer e eu por aceitar comentários aos textos que publico tenho o dever de os considerar.

Uma pessoa que escreve num sítio público sujeita-se a críticas, é normal, é saudável, para mim é até positivo especialmente porque temas como o erotismo lésbico não são algo que debato frequentemente com os meus conhecimentos, maioritariamente porque à partida não gosto de chocar as pessoas, prefiro passar despercebida e como tal aqui pareceu-me um bom sítio por onde destilar uma parte de mim que me é importante. Os comentários positivos ajudam-me a sentir-me parte de algo que é maior do que eu, chamemos-lhe uma comunidade, embora a homossexualidade por si só não seja garante de nenhum outro tipo de compatibilidade entre as pessoas, neste caso entre mulheres.

Os comentários menos positivos, desde que sejam formulados duma forma simpática, como eu achei que fez a Teresa, obrigam-me a reflectir sobre as razões porque decido falar ou ser duma certa forma e neste caso em específico fizeram-me pensar sobre os motivos porque um dia resolvi que não era compatível para mim ser lésbica e católica.

Em parte tem a ver com o sexo também. A Igreja católica aprova e até incentiva uma forma de relação sexual, entre um homem e uma mulher com o fim único da procriação. É legítimo que o faça, eu própria considero que esse acto tem o seu quê de divino pois nesse momento de concepção de uma nova vida ambos, homem e mulher, se poderão sentir mais perto de Deus. Não quer dizer que aconteça, há sexo e sexo e há muitas crianças infelizmente concebidas de forma indesejada. Mas a natureza criativa presente no acto sexual entre um homem e uma mulher está sempre lá e é uma força muito potente, isso não se pode negar. Mesmo em relação à concepção de Jesus, e mesmo que aceitemos que a Virgem Maria tenha sido fecundada por um espírito, em vez de um qualquer homem, essa força criativa estava lá, presente nesse momento em que uma nova vida foi concebida. O acto do nascimento de Jesus não pode estar arredado desse acto que foi o da sua concepção, e como tal acho que encontrei alguma legitimidade em misturar o sexo com a noite de Natal.

Mas uma vez que a Igreja condena qualquer outro tipo de relacionamento sexual, eu não poderia manter-me católica porque isso seria achar que o tipo de relacionamento sexual que pratico é menor do que o relacionamento sexual entre um homem e uma mulher, porque é estéril, não contém potencial criativo. Ora eu não acho isso, para mim qualquer tipo de relacionamento sexual entre duas pessoas que se amam é muito válido, valioso até porque o ser humano se complementa e completa através do amor que sente por outra pessoa. A nossa forma de amar é diferente, sem dúvida, mas recuso-me a aceitar que seja menos válida ou menor! Aliás vou mais além e recuso-me a reconhecer autoridade moral aos padres para falarem sobre algo que desconhecem por completo. Nenhum homem, por mais espiritualmente iluminado que seja, pode falar sobre o que é o amor entre duas mulheres. Nunca saberá do que fala, não tem nem ideia do potencial afectivo, emocional e energético que existe, que se partilha, que se dá, que se recebe mesmo não estando ali presente a força criativa!

Mesmo assim não sou descrente, acredito numa força superior e incompreensível, algo que por vezes apenas pressentimos, uma energia infinita da qual todos comungamos um pouco. Poderia chamar a isso deus, embora não o conceba de todo como o Deus machista, implacável e castigador dos católicos. Aos olhos da Igreja eu sofro de um duplo estigma, por ser mulher e por ser lésbica. Não me esforcei nem me esforçarei por pertencer a algo cujos princípios morais me rebaixam e arrasam, nem carregarei o fardo de culpa milenar que o clero atira sobre os ombros de todas as mulheres desde que Eva supostamente seduziu Adão e o levou a com ela consumar o pecado original.

Agradeço a todos os comentários, mesmo aqueles que me fizeram pensar em tudo o que aqui tentei transmitir, e quero deixar um agradecimento especial à Alice, que mais uma vez me cumprimentou pelo uso dum português "cuidado". É verdade que naquilo que escrevo procuro a busca duma certa perfeição poética (mais do que gramatical) em jeito de homenagem à minha língua materna, que adoro e venero duma forma quase surreal. A linguagem escrita é para mim o único instrumento que tenho para exprimir tudo aquilo que sinto. Escrever é a minha única arte, esgrimir as palavras, atirá-las ao ar e escolher as que melhor cabem nas minhas construções é tanto um passatempo como uma obra do destino. E quem escreve por gosto não cansa.

Desejo a todas um excelente ano de 2009, cheio de saúde e amor. E inspiração também, especialmente às outras autoras deste blog, que se inspirem e que venham aqui partilhar as suas experiências para que neste ano que agora começa este blog volte a ganhar vida!

 

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