segunda-feira, março 30
Ela não é mãe delas, dessas crianças bonitas, saudáveis, brincalhonas e alegres que correm pelos corredores fora aos gritos sempre que pressentem a sua chegada. Agarram-se a ela, aos abraços e aos beijos e pulam de alegria sempre que ela lhes anuncia que lhes trouxe um “miminho”. Não sei se é dEla mas com a mãe nunca é assim... tudo o que a mãe lhes dá é recebido como se fosse esperado, sem grandes alaridos, como se fosse a sua obrigação dar-lhes aquilo que elas queriam receber.
Depois é com Ela que elas se atrapalham a quererem contar os seus dias, sempre diferentes, sempre plenos de acontecimentos emocionantes e emocionais que Ela acompanha com enorme atenção e expressividade. É uma ternura só vê-las dependuradas nos braços dEla, e Ela absorvendo cada momento como se fosse mãe dessas crianças, sem o ser, mas se calhar sendo um bocadinho, ou mesmo muito mais do que só isso.
Tudo o que Ela faz é bem feito, a comida é tão saborosa, os "miminhos" são tão fantásticos, a sua atenção tão deliciosa. Ela é uma presença constante nas suas vidas, é uma força tremenda, é alguém em quem elas confiam, de quem sentem saudades quando não está, com quem se ligaram tanto que Ela já aparece nos desenhos da “família”. “Esta sou eu, esta é a mana, e a mãe e tu estás aqui a voar por cima de nós, estás a ver?” uma figura com asas abertas sobre todas elas, abarcando, abraçando mãe e filhas dentro de um sentir que é maior do que tudo o resto, porque Ela é assim, dá tudo o que tem, partilha tudo o que sente e sente que aquela é a família que escolheu, que a escolheu a Ela também para se unirem numa unidade indivisível, inquebrável feita de muitos momentos, muitos minutos e horas e dias e noites de partilhas de angústias, de alegrias, de temores, de feridas, de dores e dissabores.
Tanto assim é que às vezes já nem querem a mãe, é com Ela que se abrem, é Ela que lhes dá colo e as consola e lhes diz que amanhã vai ser melhor, amanhã vai tudo passar e voltam a ser as crianças saudáveis, brincalhonas e alegres que lhe enchem a alma e o coração tanto que quase transborda de tudo, tanto... igual ao medo que tem de vir um dia a perder essa família que escolheu, que a escolheu a Ela. Porque nada do que ali se passa está previsto na lei, não está escrito que pode ser Ela a acompanhar essas crianças quando precisarem de um adulto responsável por elas, porque um dia alguém que não sabe que Ela escolheu aquela família, que a escolheu a Ela, pode vir dizer que Ela não pode estar ali porque não é suposto ser assim.
Por Ela, e todas as outras mães que o são no coração de tantas crianças, apesar de não o serem no papel, é preciso mudar e adaptar as leis sim, porque o mundo que está lá fora não sabe a intensidade do amor que cresce nos seios dessas famílias que sendo diferentes na composição não deixam de ser iguais no sentir e no querer às crianças que assim crescem e assim se educam por esse mundo fora. E muitos parabéns ao Público e a todos os orgãos de comunicação social que tiverem a coragem e a sensibilidade de abordarem este tema na perspectiva de resolução de um assunto que já é real para tantas famílias no nosso país.